|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PASQUALE CIPRO NETO
"Persistindo os sintomas..."
A cerveja "que desce redondo" ainda gera muitas
mensagens de leitores que querem saber se ela desce redondo
mesmo, ou se deveria descer redonda. Já vimos que, assim como
mulheres olham de modo torto,
isto é, olham torto (e não "tortas",
a menos que se queira indicar a
posição do corpo ou da cabeça delas no momento em que olham), a
cerveja desce redondo (redondamente, de modo redondo).
Outro caso que ainda freqüenta
muitas das inúmeras mensagens
dos leitores é a frase com que se
encerram as peças publicitárias
de medicamentos. No início,
eram duas as formas empregadas: "A persistirem os sintomas..."
e "Ao persistirem os sintomas...".
Há pouco tempo, surgiu uma terceira: "Persistindo os sintomas...".
Já escrevi sobre o par "A persistirem/Ao persistirem", mas não
custa repetir: com "A persistirem
os sintomas...", indica-se essencialmente idéia de condição ("A
persistirem os sintomas" equivale
a "Se persistirem os sintomas" ou
"Caso persistam os sintomas");
com "Ao persistirem os sintomas", indica-se essencialmente
idéia de tempo ("Ao persistirem
os sintomas" equivale a "Quando
persistirem os sintomas"), embora essa construção tenha também
algum matiz condicional.
E com o gerúndio ("Persistindo
os sintomas...")? Acalme-se, caro
leitor. Não se trata de mais um
caso da febre gerundista que assola o país. Você não precisa estar se
preocupando: não vou estar analisando (nem você vai precisar estar lendo) o ultra-indevido uso de
"estar + gerúndio", que, como vimos na semana passada, não é
indevido (o uso) pela estrutura do
par (que é da língua há séculos),
mas pelo valor com que tem sido
empregada essa dupla.
Em "Persistindo os sintomas",
temos o que se chama de oração
reduzida de gerúndio. Por favor,
não se assuste com o nome da
oração, que -eu sei- não é dos
mais formosos. São reduzidas as
orações que não são introduzidas
por conectivos (conjunções, pronomes relativos) e têm o verbo no
particípio ("Terminado o debate,
começaram as entrevistas"), no
infinitivo ("Suponho serem eles
os responsáveis") ou no gerúndio
("Agindo dessa maneira, você
criará muitas inimizades").
Muitas vezes, é possível desdobrar (ou desenvolver) as orações
reduzidas, o que implica empregar uma conjunção ou pronome
relativo e conjugar o verbo no indicativo ou no subjuntivo. Se desdobrássemos a reduzida do primeiro exemplo, teríamos "Assim
que terminou o debate, começaram as entrevistas" (ou "Logo que
terminou o debate...", "Mal terminou o debate..." etc.).
No segundo exemplo, teríamos
"Suponho que sejam eles os responsáveis" (ou "Suponho que são
eles os responsáveis", caso se queira afirmar que a suposição é fundamentada em dados muito fortes). No terceiro exemplo, teríamos "Se agir assim, você criará
muitas inimizades" (ou "Caso aja
assim, você criará...").
Pois é justamente aí que se encaixa a forma "Persistindo os sintomas, o médico deverá ser consultado". A primeira oração (reduzida de gerúndio) tem valor
condicional e equivale a "Caso
persistam os sintomas..." (ou "Se
persistirem os sintomas...").
Quando bem empregadas (e é
esse o caso de "Persistindo os sintomas..."), as orações reduzidas
são, no mínimo, elegantes. Como
se vê, o gerúndio não é -nem de
longe- o pior dos mundos. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
Texto Anterior: 67% defendem direito de parar gravidez em SP Próximo Texto: Trânsito: GP Brasil de F-1 muda tráfego de avenidas em Interlagos Índice
|