São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2010

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JAIRO MARQUES

Pra fazer a moda durar


Dilma colocou as palavras "pessoas com deficiência" no discurso. Agora é torcer para gostar de ser fashion

APESAR DE EU NÃO ser filho de alfaiate, em 2010, finalmente, entrei na moda. Por todo canto, foi possível encontrar e acompanhar discussões que envolvessem esse povo que dá um trabalho danado com suas cadeiras de rodas, cães-guia, mãos falantes, entre outras adaptações para viver bem.
Uma moça que ficou tetraplégica, representada pela atriz Alinne Moraes, penou um bocado para se reinventar, mas deixou um aprendizado imenso mostrando que ser deficiente não quer dizer ser infeliz.
Com aqueles beiços lindos, "Luciana" -parida pelo dramaturgo Manoel Carlos- foi à balada sacolejar os pneus, enroscou-se nos buracos das calçadas de Copacabana, casou, teve filhos e ajudou a provocar uma onda midiática nas diversas questões que envolvem o direito de ir e vir. Deixou "xodades".
No desfile de avanço da cidadania, faltou um modelito mais "in" por parte do governo federal. O presidente Lula fecha as malas de seus mandatos sem colocar dentro nenhuma ação contundente, marcante e que entrasse para a história -como ele gosta de dizer- relativa à acessibilidade.
Como ele tem movimentos limitados na mão esquerda, pela falta de um dedo, foi uma decepção, de certa maneira, para quem não tem perna, não tem braço... A Dilma colocou as palavras "pessoas com deficiência" e idoso em seu discurso de vitória. Agora é torcer para ela gostar de ser fashion.
E para quem é ligado no "visu", sobretudo nas grandes cidades, pode reparar que tem mais gente abatida da guerra enfrentando as passarelas das universidades, do mercado de trabalho, dos botecos e dos fuzuês em geral.
Sair de casa, mesmo aos trancos e aos barrancos, é fundamental para ser visto, para ser respeitado como cidadão, para que reparem nos decotes das meninas com a canela fina, para a conquista de espaço.
Quanto mais pessoas entenderem que uma rampa, um elevador, uma sinalização não são luxo e não atendem apenas uma "minoria", mais a moda fica, mais o mundo muda.
Na trupe dos que vão devagarinho para não cair e precisam de acesso ligeiramente especial, estão também os bebês e seus carrinhos, as mulheres de salto, os esportistas de final de semana que se contundem, os papais e mamães noéis legítimos.
Como não incentivar a diversidade se tornou brega, ainda bem, e publicitário não brinca de rasgar dinheiro, teve propaganda com cadeirante, com cego, com surdo. E não apenas de remédio e aparelho hospitalar, heim?! Teve de tudo, igualzinho é na vida e na família da gente (ah, vá... duvido que não haja pelo menos um primo terceiro mais tortinho, que baba um pouquinho).
No ano em que entrei na moda -virei até colunista-, pude ver uma repórter toda alinhada em sua cadeira de rodas motorizada saracoteando em um dos mais importantes programas televisivos do país, o "Fantástico", da Globo. Ela, sim, entrou para a história.
Para fazer esse glamour durar, não vai bastar botar fé em "nossa senhora da bicicletinha". Vai ser preciso pressionar os governantes para que não atropelem o direito de todos a arrasar na vida, vai ser preciso aumentar os canais de conscientização e divulgação da necessidade de conviver com o diverso, vai ser preciso sumir com as ideias retrôs e ampliar as "hypadas" sobre cidadania.

jairo.marques@grupofolha.com.br

Blog "Assim como Você"
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