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LETRAS JURÍDICAS
Chuvas e Constituição no aniversário de São Paulo
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Janeiro sempre traz chuvas intensas. Neste ano, elas
mostram a insuficiente proteção
do povo contra o repetido desastre ecológico das grandes inundações. De um modo geral, os danos
causados por fenômenos naturais
não dão direito de indenização a
suas vítimas, salvo quando o poder público se omita reiteradamente na adoção de providências
destinadas a resolver ou minimizar a incidência dos danos, o
que desestimula a atenção
permanente.
Os moradores mais antigos de
São Paulo davam pouca atenção
ao ambiente, mas os atuais,
quando se aproxima a comemoração do aniversário oficial da cidade, vêem motivo para reclamar
uma vida melhor. Os paulistanos,
até a primeira metade do século
20, iam ao rio Tietê para pescarias, passeios e disputas de natação. Muitos deles nadavam em
seus meandros. Se o leitor quiser
saber mais, leia o livro "Tietê - O
Rio Esportivo", de Henrique Nicolini, com textos e ilustrações sobre a vida paulistana e a prática
esportiva desde a fundação. Os
velhos habitantes as conheciam e
o livro se refere às inundações
causadas pelas chuvas desta época do ano. Seria razoável esperar
que esses problemas estivessem
sanados.
As condições ambientais, vistas
como um todo, continuam ruins
em São Paulo. É justo lembrar
que o leito do Tietê passou por
melhoramentos nos últimos anos.
Parece estar a caminho de se
transformar num "civilizado"
curso de água, nos moldes do Tâmisa, de Londres, do Sena, em Paris, e do Moscou, na cidade de seu
nome. Nas metrópoles, porém, as
deficiências ambientais são comuns. Porto Alegre tem seus dias
de preocupação com o Guaíba. A
lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio
de Janeiro, e a própria baía de
Guanabara sofrem as conseqüências dos maus-tratos ecológicos.
O direito e a recente "reforma
do Judiciário" entram nesse tema.
Preocupa o intérprete constitucional uma possibilidade de exagero
na aplicação do estranhíssimo
novo parágrafo terceiro do artigo
5º, que nada tem a ver com a magistratura. Segundo o parágrafo
mencionado, os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. Dirá o leitor que são direitos humanos e não relativos ao ambiente.
Literalmente não são, mas é evidente que a afirmação do artigo
225 ("Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado...") permite a dúvida. A
obediência a princípios e fundamentos da República Federativa
do Brasil inclui os tratados internacionais em que a nação seja
parte (artigo 3º). Em interpretação extensiva, no futuro, o parágrafo acrescido ao artigo 5º poderá facilitar a intromissão de poderosos interesses multinacionais
no Direito brasileiro sobre o ambiente. A desconfiança é razoável,
pois aproveitaram-se as questões
da reforma do Judiciário para inserir matéria que nem indiretamente tem pertinência com a dita
reforma.
Cidades densamente industrializadas -eis-nos de volta a São
Paulo- querem a proteção ambiental, mas seus processos econômicos estão diretamente envolvidos nos custos locais e também
nas repercussões de preços internacionais, particularmente
quando a queda relativa do dólar
torna os preços brasileiros menos
competitivos. A questão do ambiente pode envolver mais coisas
do que supõe nossa vã filosofia.
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