São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

Chuvas e Constituição no aniversário de São Paulo

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Janeiro sempre traz chuvas intensas. Neste ano, elas mostram a insuficiente proteção do povo contra o repetido desastre ecológico das grandes inundações. De um modo geral, os danos causados por fenômenos naturais não dão direito de indenização a suas vítimas, salvo quando o poder público se omita reiteradamente na adoção de providências destinadas a resolver ou minimizar a incidência dos danos, o que desestimula a atenção permanente.
Os moradores mais antigos de São Paulo davam pouca atenção ao ambiente, mas os atuais, quando se aproxima a comemoração do aniversário oficial da cidade, vêem motivo para reclamar uma vida melhor. Os paulistanos, até a primeira metade do século 20, iam ao rio Tietê para pescarias, passeios e disputas de natação. Muitos deles nadavam em seus meandros. Se o leitor quiser saber mais, leia o livro "Tietê - O Rio Esportivo", de Henrique Nicolini, com textos e ilustrações sobre a vida paulistana e a prática esportiva desde a fundação. Os velhos habitantes as conheciam e o livro se refere às inundações causadas pelas chuvas desta época do ano. Seria razoável esperar que esses problemas estivessem sanados.
As condições ambientais, vistas como um todo, continuam ruins em São Paulo. É justo lembrar que o leito do Tietê passou por melhoramentos nos últimos anos. Parece estar a caminho de se transformar num "civilizado" curso de água, nos moldes do Tâmisa, de Londres, do Sena, em Paris, e do Moscou, na cidade de seu nome. Nas metrópoles, porém, as deficiências ambientais são comuns. Porto Alegre tem seus dias de preocupação com o Guaíba. A lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e a própria baía de Guanabara sofrem as conseqüências dos maus-tratos ecológicos.
O direito e a recente "reforma do Judiciário" entram nesse tema. Preocupa o intérprete constitucional uma possibilidade de exagero na aplicação do estranhíssimo novo parágrafo terceiro do artigo 5º, que nada tem a ver com a magistratura. Segundo o parágrafo mencionado, os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. Dirá o leitor que são direitos humanos e não relativos ao ambiente. Literalmente não são, mas é evidente que a afirmação do artigo 225 ("Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado...") permite a dúvida. A obediência a princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil inclui os tratados internacionais em que a nação seja parte (artigo 3º). Em interpretação extensiva, no futuro, o parágrafo acrescido ao artigo 5º poderá facilitar a intromissão de poderosos interesses multinacionais no Direito brasileiro sobre o ambiente. A desconfiança é razoável, pois aproveitaram-se as questões da reforma do Judiciário para inserir matéria que nem indiretamente tem pertinência com a dita reforma.
Cidades densamente industrializadas -eis-nos de volta a São Paulo- querem a proteção ambiental, mas seus processos econômicos estão diretamente envolvidos nos custos locais e também nas repercussões de preços internacionais, particularmente quando a queda relativa do dólar torna os preços brasileiros menos competitivos. A questão do ambiente pode envolver mais coisas do que supõe nossa vã filosofia.


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