São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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BARBARA GANCIA

Única solução é o confronto direto

"Por que a camiseta "100% negro" é aceita, enquanto a camiseta "100% branco" é considerada racismo?"

O MUNDO SE divide entre os que aplaudem o pensamento politicamente correto e os que zombam dessa forma de tirania velada movida a eufemismos e que se esconde sob o véu da boa intenção.
Há coisa de dez anos, o parágrafo acima ainda fazia sentido e encampava, de um lado e de outro, as mais diversas correntes de pensamento.
Acontece que, hoje, a coisa embolou de vez e até as relações interpessoais ficaram mais complicadas.
Quem diria que a luta pela preservação do ambiente, por exemplo, uma bandeira que antes reunia todas as pessoas esclarecidas de um lado só, fosse gerar tamanhos desentendimentos? Não somos todos favoráveis a um planeta sem poluição? O que estará acontecendo?
Ontem, os jornais informaram que um jovem de Pontal, cidade do interior de São Paulo, foi multado pela Secretaria de Justiça do Estado por xingar um homossexual assumido de "veado". Eu pergunto: um sujeito que se assume como gordo, estrábico ou careca tem o direito de ir reclamar na Justiça ao ser chamado de gordo, estrábico ou careca? Não terá o pensamento politicamente correto passado dos limites?
Na semana passada, um grupo de jovens torcedores do bicampeão mundial Fernando Alonso resolveu debochar do principal adversário do piloto. Fantasiados com perucas de boneca de pano e com os rostos e braços pintados de negro a la Al Jolson, os jovens compareceram ao circuito de Jerez de La Frontera, onde a F-1 realizava testes, trajando camisetas inscritas com a frase "Família de Lewis Hamilton". A brincadeira por pouco não causou um incidente diplomático entre a Espanha e a Inglaterra e acabou forçando a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) a emitir um comunicado afirmando que o racismo não será tolerado nas pistas.
Identificados, os autores da pilhéria declararam não ser racistas e alegaram que só estavam aproveitando o Carnaval para zombar do pai de Hamilton, que acompanha o filho em todas as corridas. Eu pergunto: será que vai chegar o dia em que o politicamente correto nos impedirá de dar risada?
Bem, como fui eu mesma que perguntei, ofereço a minha modestíssima opinião: o politicamente correto não tem nada a ver com nenhuma das duas questões. No caso do senhor ofendido em Pontal, a cidade tem um histórico de intolerância contra gays e a vítima só venceu a causa por contar com o testemunho dos policiais que o atenderam na cena do crime. E gordos, estrábicos e carecas, que eu saiba, não são perseguidos e mortos por intolerantes. No caso de Lewis Hamilton, o piloto minimizou o acontecido dizendo que não se sentira atingido, mas em um país como a Espanha, em que torcidas jogam bananas no campo para intimidar jogadores de futebol de pele morena, não é possível dizer que tudo não passou de brincadeira inocente. Não a cor da pele de Lewis o alvo do chiste?
Vira e mexe, recebo alguma carta endereçada à coluna "Barbara Responde", que mantenho na "Revista da Folha", com a pergunta: "Por que a camiseta "100% negro" pode e a camiseta "100% branco" é considerada racismo?". O simples fato de essa pergunta ainda estar na moda, do alto da sua ignorância, já explica a razão pela qual a intolerância deve ser encarada na base do confronto direto e combatida com o rigor da lei.


barbara@uol.com.br

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