|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Exame indicado para mulheres de famílias de alto risco deixa escapar 12% das mutações que podem levar ao desenvolvimento da doença
Estudo questiona teste para câncer de mama
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Artigo publicado hoje no periódico científico da Associação Médica Americana, o "Jama"
(jama.ama-assn.org), mostra que
um teste com os genes BRCA1 e
BRCA2, vendido pela empresa
Myriad Genetics (EUA) por mais
de US$ 2.000, deixa escapar 12%
das mutações que predispõem
mulheres de famílias de alto risco
a desenvolver tumores de mama.
A liderança do estudo coube a
Mary-Claire King, da Universidade de Washington, em Seattle
(EUA), descobridora do próprio
gene BRCA1, em 1990.
O BRCA1 foi o primeiro gene
humano a ser identificado que tinha uma relação direta com essa
forma hereditária de câncer de
mama (a sigla BRCA vem de
"breast cancer"). O teste só é útil,
porém, em 5% a 10% dos tumores
de mama, aqueles que podem ser
explicados por mutações herdadas nesses dois genes. Os demais
tipos envolvem outros genes e
mecanismos, não necessariamente herdados do pai ou da mãe.
Em suas versões normais (sem
mutação), os genes BRCA1 e
BRCA2 fazem parte do complicado sistema de freios e contrapesos
que impede células de proliferar
descontroladamente. São genes
anticâncer, não de câncer. O problema só pode surgir quando eles
não funcionam bem.
No Brasil, cerca de 49 mil novos
casos de tumores de mama devem ocorrer em 2006. Em torno
de 10 mil brasileiras morrem com
a doença a cada ano, o que faz
desse tipo de câncer o mais mortal
entre mulheres. Estatísticas dos
Estados Unidos apontam que
portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 têm de 33%
a 50% de chance de desenvolver
um tumor, aos 50 anos, e até 87%,
aos 70.
Por seu alto custo, o teste da
Myriad é em geral indicado só para mulheres em famílias de alto
risco, com mais de um caso de
câncer ginecológico. O grupo reunido por King, que contou ainda
com pesquisadores da Itália, da
Eslováquia e da República Tcheca, reuniu uma amostra de 300
mulheres em hospitais e consultórios norte-americanos. O critério era ter pelo menos quatro casos de câncer de mama ou ovário
na família e ter obtido resultado
negativo no teste genético da
Myriad para mutações no BRCA1
e no BRCA2.
A equipe isolou então as versões
desses genes de cada participante
e as submeteu a uma análise minuciosa. Cada versão "personalizada" foi seqüenciada (soletrada)
de ponta a ponta, e vários métodos foram empregados para detectar truncamentos na sucessão
normal de "letras químicas" que
permite a esses genes exercer o
seu papel no sistema anticâncer.
Segundo o teste comercial, todas
as mulheres reunidas no estudo
eram supostamente portadoras
de cópias normais do BRCA1 e do
BRCA2, pois tinham testado negativo para as mutações. Não correriam risco grave, portanto.
Não era bem assim, verificaram
os autores do artigo no "Jama",
que também procurou problemas
em genes não incluídos no teste
da Myriad (CHEK2, TP53 e
PTEN). Um contingente de 12%
delas apresentava, sim, alterações
no BRCA1 e no BRCA2 capazes de
desencadear a doença. Outros 5%
tinham problemas no CHEK2, e
1% no TP53 (nenhuma mulher do
grupo de 300 apresentava mutações no gene PTEN). Ou seja, para
mais de 12%, o teste é ineficiente,
pois produz falsos negativos.
A medicina não tem muito a
oferecer a mulheres de famílias de
alto risco cujos testes genéticos
apontam mutações nesses genes.
Além de um exame mais acurado
dos seios, por ressonância magnética, resta a opção de retirada
preventiva das mamas, ovários e
trompas. A decisão de realizar cirurgias dessa gravidade, pelas pacientes e pelos médicos, precisa
ser baseada em informação tão
boa e precisa quanto possível.
"Nossos resultados sugerem
que testes genéticos, tais como
hoje são conduzidos nos Estados
Unidos, não oferecem toda a informação disponível para mulheres em risco", escrevem os autores
do artigo. "Tecnicamente, a resposta está à mão. As mutações
identificadas em nosso estudo
que o teste comercial deixou escapar são detectáveis com o uso de
outras abordagens atualmente
disponíveis", concluem, pondo à
disposição de outros pesquisadores os materiais que empregam na
pesquisa.
O teste da Myriad se tornou polêmico porque se baseia em patentes que impedem qualquer outra empresa de desenvolver e vender exames baseados na detecção
de defeitos no BRCA1 e no
BRCA2. Essas patentes deram à
Myriad um virtual monopólio do
diagnóstico genético para risco de
câncer de mama. O artigo de King
apontando seus 12% de ineficiência é uma sutil, elegante e objetiva
resposta a isso.
Texto Anterior: Clima: Cheia suspende aulas em 40 escolas no AM Próximo Texto: Para médicos, exame continua sendo benéfico Índice
|