São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2006

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SAÚDE

Exame indicado para mulheres de famílias de alto risco deixa escapar 12% das mutações que podem levar ao desenvolvimento da doença

Estudo questiona teste para câncer de mama

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Artigo publicado hoje no periódico científico da Associação Médica Americana, o "Jama" (jama.ama-assn.org), mostra que um teste com os genes BRCA1 e BRCA2, vendido pela empresa Myriad Genetics (EUA) por mais de US$ 2.000, deixa escapar 12% das mutações que predispõem mulheres de famílias de alto risco a desenvolver tumores de mama.
A liderança do estudo coube a Mary-Claire King, da Universidade de Washington, em Seattle (EUA), descobridora do próprio gene BRCA1, em 1990.
O BRCA1 foi o primeiro gene humano a ser identificado que tinha uma relação direta com essa forma hereditária de câncer de mama (a sigla BRCA vem de "breast cancer"). O teste só é útil, porém, em 5% a 10% dos tumores de mama, aqueles que podem ser explicados por mutações herdadas nesses dois genes. Os demais tipos envolvem outros genes e mecanismos, não necessariamente herdados do pai ou da mãe.
Em suas versões normais (sem mutação), os genes BRCA1 e BRCA2 fazem parte do complicado sistema de freios e contrapesos que impede células de proliferar descontroladamente. São genes anticâncer, não de câncer. O problema só pode surgir quando eles não funcionam bem.
No Brasil, cerca de 49 mil novos casos de tumores de mama devem ocorrer em 2006. Em torno de 10 mil brasileiras morrem com a doença a cada ano, o que faz desse tipo de câncer o mais mortal entre mulheres. Estatísticas dos Estados Unidos apontam que portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 têm de 33% a 50% de chance de desenvolver um tumor, aos 50 anos, e até 87%, aos 70.
Por seu alto custo, o teste da Myriad é em geral indicado só para mulheres em famílias de alto risco, com mais de um caso de câncer ginecológico. O grupo reunido por King, que contou ainda com pesquisadores da Itália, da Eslováquia e da República Tcheca, reuniu uma amostra de 300 mulheres em hospitais e consultórios norte-americanos. O critério era ter pelo menos quatro casos de câncer de mama ou ovário na família e ter obtido resultado negativo no teste genético da Myriad para mutações no BRCA1 e no BRCA2.
A equipe isolou então as versões desses genes de cada participante e as submeteu a uma análise minuciosa. Cada versão "personalizada" foi seqüenciada (soletrada) de ponta a ponta, e vários métodos foram empregados para detectar truncamentos na sucessão normal de "letras químicas" que permite a esses genes exercer o seu papel no sistema anticâncer. Segundo o teste comercial, todas as mulheres reunidas no estudo eram supostamente portadoras de cópias normais do BRCA1 e do BRCA2, pois tinham testado negativo para as mutações. Não correriam risco grave, portanto.
Não era bem assim, verificaram os autores do artigo no "Jama", que também procurou problemas em genes não incluídos no teste da Myriad (CHEK2, TP53 e PTEN). Um contingente de 12% delas apresentava, sim, alterações no BRCA1 e no BRCA2 capazes de desencadear a doença. Outros 5% tinham problemas no CHEK2, e 1% no TP53 (nenhuma mulher do grupo de 300 apresentava mutações no gene PTEN). Ou seja, para mais de 12%, o teste é ineficiente, pois produz falsos negativos.
A medicina não tem muito a oferecer a mulheres de famílias de alto risco cujos testes genéticos apontam mutações nesses genes. Além de um exame mais acurado dos seios, por ressonância magnética, resta a opção de retirada preventiva das mamas, ovários e trompas. A decisão de realizar cirurgias dessa gravidade, pelas pacientes e pelos médicos, precisa ser baseada em informação tão boa e precisa quanto possível.
"Nossos resultados sugerem que testes genéticos, tais como hoje são conduzidos nos Estados Unidos, não oferecem toda a informação disponível para mulheres em risco", escrevem os autores do artigo. "Tecnicamente, a resposta está à mão. As mutações identificadas em nosso estudo que o teste comercial deixou escapar são detectáveis com o uso de outras abordagens atualmente disponíveis", concluem, pondo à disposição de outros pesquisadores os materiais que empregam na pesquisa.
O teste da Myriad se tornou polêmico porque se baseia em patentes que impedem qualquer outra empresa de desenvolver e vender exames baseados na detecção de defeitos no BRCA1 e no BRCA2. Essas patentes deram à Myriad um virtual monopólio do diagnóstico genético para risco de câncer de mama. O artigo de King apontando seus 12% de ineficiência é uma sutil, elegante e objetiva resposta a isso.


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