São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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LETRAS JURÍDICAS

Excrescência do foro privilegiado

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

"E xcrescência . 1. Saliência, proeminência. 2. Demasia, excesso, superfluidade. 3. Tumor mais ou menos volumoso, sobre a superfície de qualquer órgão." São definições do "Aurélio" para a palavra com a qual o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, qualificou foro privilegiado. Suponho que o ministro preferiu os significados 2 e 3, este último como óbvio, em sentido figurado. Ele me levou a pequena pesquisa, nada científica. Descobri que quase todas as pessoas, mesmo as mais simples, sabem o que é fórum. Quase ninguém, excluídos os trabalhadores do direito, soube dizer o que é foro. Quando perguntei se foro privilegiado é uma excrescência, houve gente das profissões jurídicas que não deu a resposta correta. Daí nasceu a idéia deste comentário.
Foro está nas manchetes, porque se critica o privilégio que o acompanha. Na área jurídica certas pessoas têm o privilégio de serem processadas apenas por número reduzido de juízes ou tribunais previstos em lei (ou seja, o foro). A comunicação social vem tratando da excrescência bem criticada por Joaquim Barbosa, aludindo a certos foros especiais de pessoas submetidas a julgamentos também especiais. Veja-se o "julgamento" dos parlamentares dos mensalões da vida. São uns privilegiados, tomado este plural em sentido estrito, porque, nessa espécie de julgamento político, a vantagem é das pessoas julgadas, com exclusão de todas as outras sem a mesma posição.
Pois saiba o leitor que o privilégio é aceito pela Constituição, previsto em casos especiais, para agentes públicos que se envolvem em crimes. Está no artigo 102 da Carta Magna que, nos crimes comuns cometidos pelo presidente da República (delitos não relacionados com o cargo), ele tem o direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do mesmo modo que o vice-presidente, todos os membros do Congresso nacional, todos os ministros do mesmo STF e o procurador-geral da República. Crimes comuns são os previstos nas leis penais ordinárias (contra vida, o patrimônio, a honra, a administração pública e assim por diante). No caso de servidores públicos, são crimes comuns os de corrupção, peculato, emprego irregular de verbas públicas, entre outros, os quais incluem hoje até a modernidade de conduta modificadora de programas de informática sem autorização. São comuns, enfim, os previstos no Código Penal.
Deputados e senadores não são propriamente servidores públicos. Portanto, sustentam seu direito ao foro privilegiado. Bom argumento contrário decorre da lei nº 8.429, em vigor desde 1992, cujo artigo 1º criminaliza atos de improbidade administrativa praticados por servidor ou agente público contra a administração direta, indireta ou fundacional pública. Isso é importante, porque o artigo 2º incluiu, no rol dos processáveis por improbidade, os nomeados, designados ou eleitos para cargo e função de servidor ou agente público. No grupo dos eleitos está o gancho que pegaria os parlamentares, verdadeiros agentes públicos. Pegaria, se não fosse a norma constitucional. Para processar os mensaleiros denunciados pelo procurador-geral da República bastará que o STF resolva que o delito de improbidade administrativa não é crime comum.
Bastará não é bem o caso. Logo, os parlamentares editariam uma lei excluindo a improbidade administrativa do rol dos crimes comuns, com o que o STF estaria de acordo. Mas para tanto os parlamentares teriam de mostrar a cara aos eleitores, o que nem sempre é fácil. Seria cara de malandros. A dúvida é se preocuparia os privilegiados atingidos. Ou atingíveis.


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