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LETRAS JURÍDICAS
Excrescência do foro privilegiado
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
"E xcrescência . 1. Saliência, proeminência. 2. Demasia, excesso, superfluidade. 3.
Tumor mais ou menos volumoso,
sobre a superfície de qualquer órgão." São definições do "Aurélio"
para a palavra com a qual o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, qualificou foro privilegiado. Suponho
que o ministro preferiu os significados 2 e 3, este último como óbvio, em sentido figurado. Ele me
levou a pequena pesquisa, nada
científica. Descobri que quase todas as pessoas, mesmo as mais
simples, sabem o que é fórum.
Quase ninguém, excluídos os trabalhadores do direito, soube dizer
o que é foro. Quando perguntei se
foro privilegiado é uma excrescência, houve gente das profissões
jurídicas que não deu a resposta
correta. Daí nasceu a idéia deste
comentário.
Foro está nas manchetes, porque se critica o privilégio que o
acompanha. Na área jurídica certas pessoas têm o privilégio de serem processadas apenas por número reduzido de juízes ou tribunais previstos em lei (ou seja, o foro). A comunicação social vem
tratando da excrescência bem criticada por Joaquim Barbosa, aludindo a certos foros especiais de
pessoas submetidas a julgamentos também especiais. Veja-se o
"julgamento" dos parlamentares
dos mensalões da vida. São uns
privilegiados, tomado este plural
em sentido estrito, porque, nessa
espécie de julgamento político, a
vantagem é das pessoas julgadas,
com exclusão de todas as outras
sem a mesma posição.
Pois saiba o leitor que o privilégio é aceito pela Constituição,
previsto em casos especiais, para
agentes públicos que se envolvem
em crimes. Está no artigo 102 da
Carta Magna que, nos crimes comuns cometidos pelo presidente
da República (delitos não relacionados com o cargo), ele tem o direito de ser julgado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) do mesmo modo que o vice-presidente,
todos os membros do Congresso
nacional, todos os ministros do
mesmo STF e o procurador-geral
da República. Crimes comuns são
os previstos nas leis penais ordinárias (contra vida, o patrimônio, a honra, a administração pública e assim por diante). No caso
de servidores públicos, são crimes
comuns os de corrupção, peculato, emprego irregular de verbas
públicas, entre outros, os quais incluem hoje até a modernidade de
conduta modificadora de programas de informática sem autorização. São comuns, enfim, os previstos no Código Penal.
Deputados e senadores não são
propriamente servidores públicos.
Portanto, sustentam seu direito
ao foro privilegiado. Bom argumento contrário decorre da lei nº
8.429, em vigor desde 1992, cujo
artigo 1º criminaliza atos de improbidade administrativa praticados por servidor ou agente público contra a administração direta, indireta ou fundacional pública. Isso é importante, porque o
artigo 2º incluiu, no rol dos processáveis por improbidade, os nomeados, designados ou eleitos para cargo e função de servidor ou
agente público. No grupo dos eleitos está o gancho que pegaria os
parlamentares, verdadeiros agentes públicos. Pegaria, se não fosse
a norma constitucional. Para
processar os mensaleiros denunciados pelo procurador-geral da
República bastará que o STF resolva que o delito de improbidade
administrativa não é crime comum.
Bastará não é bem o caso. Logo,
os parlamentares editariam uma
lei excluindo a improbidade administrativa do rol dos crimes comuns, com o que o STF estaria de
acordo. Mas para tanto os parlamentares teriam de mostrar a cara aos eleitores, o que nem sempre
é fácil. Seria cara de malandros. A
dúvida é se preocuparia os privilegiados atingidos. Ou atingíveis.
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