São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

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Ida à clareira exige viagem de 48 h na mata

Antes do percurso, reportagem enfrentou negociação tensa com índios, que reclamaram das condições de sua aldeia

Guias comeram macaco-prego durante a jornada, considerado um "manjar" por eles; repórter preferiu piranha assada

Jorge Araújo/Folha Imagem
Macaco morto pelos índios para servir de refeição durante ida a local onde estão localizados os pedaços do avião da Gol que caiu em MT

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PEIXOTO DE AZEVEDO (MT)

JORGE ARAÚJO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

Na viagem feita pela Folha para alcançar os destroços do avião da Gol, na floresta amazônica, em Mato Grosso, só faltou comer o macaco preparado pelos índios.
Repórter e fotógrafo enfrentaram uma jornada de 48 horas na selva -incluindo uma parada para dormir- e, antes disso, 12 horas de conversas com a Funai (Fundação Nacional do Índio) e com índios para conseguir ir ao local, terra indígena.
O ponto tenso da negociação com os índios ocorreu na aldeia Piaruçu, às 13h da última terça-feira, onde a Folha foi buscar os três índios que seriam guias até o ponto da queda.
Acompanhados por um assessor da Funai e sentados diante das índias da aldeia por ordem do cacique, as mulheres escolheram o fotógrafo para, na língua caiapó, ser alvo de um "pito nos brancos".
O cacique Bedjay Txucarramãe, 62, explicou o que as mulheres disseram: "A mulherada está revoltada porque não tem mais nada na área [indígena]. Todas as coisas que a gente aprendeu com vocês está [sic] em falta na aldeia: bacia, peneira, anzol, linha, lima, calçado."
Do episódio, o fotógrafo saiu com o rosto pintado de carvão e tinta de jenipapo.
Depois disso, parecia fácil percorrer 12 km até a margem do rio, pegar um barco e seguir viagem. Mas 20 árvores bloqueavam a estrada de terra. Os índios cortaram os troncos com machado e a reportagem usou facão. Foram duas horas até o barco e a noite caiu. O jeito foi acampar à margem do rio. Repórter e fotógrafo armaram uma barraca em cima da camionete. Os caiapós, que dormem em redes, riram.
Na manhã seguinte, a equipe pegou o barco. Seriam três horas de viagem pelo rio Jarinã, em terra indígena deserta.
Após uma navegação tranqüila, chega-se à clareira, na margem do rio, onde os índios acamparam durante o resgate dos corpos, em outubro. Da clareira até o local da queda, foram três horas de caminhada. O fotógrafo acendeu velas em respeito às vítimas.
Na mata, durante a volta, o índio guerreiro Bekran-õ Metuktire, 49, matou um macaco-prego para o jantar. De volta à clareira, local da partida, o assessor da Funai perguntou ao repórter se iria "comer macaco". O repórter respondeu: "Estamos na casa dos índios, como vou fazer uma desfeita?"
Para os índios, carne de macaco é um manjar. Não era, portanto, para visitantes. O repórter comeu piranha assada, pescada pelos índios. O fotógrafo foi de macarrão.
À noite, o repórter resolveu dormir na rede. Tudo escurece às 18h. O repórter fica até a 1h com medo de onça, mas desiste da vigília. Acende uma fogueira seis vezes para se esquentar. Pela manhã, o fotógrafo reclama: "Tinha um índio acendendo fogueira a noite inteira".
Por fim, nova jornada pelo rio e quatro horas por estradas de terra até a cidade mais próxima com sinal de celular, que não existe em um raio de 200 km do local do acidente.
No vôo de volta a Cuiabá (MT), na sexta-feira, repórter e fotógrafo enfrentam forte turbulência. O repórter diz: "É, nessa viagem, só faltou mesmo comer o macaco".


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