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Ida à clareira exige viagem de 48 h na mata
Antes do percurso, reportagem enfrentou negociação tensa com índios, que reclamaram das condições de sua aldeia
Guias comeram macaco-prego durante a jornada, considerado um "manjar" por eles; repórter preferiu piranha assada
Jorge Araújo/Folha Imagem
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Macaco morto pelos índios para servir de refeição durante ida a local onde estão localizados os pedaços do avião da Gol que caiu em MT
HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PEIXOTO DE
AZEVEDO (MT)
JORGE ARAÚJO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO
Na viagem feita pela Folha
para alcançar os destroços do
avião da Gol, na floresta amazônica, em Mato Grosso, só faltou comer o macaco preparado
pelos índios.
Repórter e fotógrafo enfrentaram uma jornada de 48 horas
na selva -incluindo uma parada para dormir- e, antes disso,
12 horas de conversas com a
Funai (Fundação Nacional do
Índio) e com índios para conseguir ir ao local, terra indígena.
O ponto tenso da negociação
com os índios ocorreu na aldeia
Piaruçu, às 13h da última terça-feira, onde a Folha foi buscar
os três índios que seriam guias
até o ponto da queda.
Acompanhados por um assessor da Funai e sentados
diante das índias da aldeia por
ordem do cacique, as mulheres
escolheram o fotógrafo para,
na língua caiapó, ser alvo de um
"pito nos brancos".
O cacique Bedjay Txucarramãe, 62, explicou o que as mulheres disseram: "A mulherada
está revoltada porque não tem
mais nada na área [indígena].
Todas as coisas que a gente
aprendeu com vocês está [sic]
em falta na aldeia: bacia, peneira, anzol, linha, lima, calçado."
Do episódio, o fotógrafo saiu
com o rosto pintado de carvão
e tinta de jenipapo.
Depois disso, parecia fácil
percorrer 12 km até a margem
do rio, pegar um barco e seguir
viagem. Mas 20 árvores bloqueavam a estrada de terra. Os
índios cortaram os troncos
com machado e a reportagem
usou facão. Foram duas horas
até o barco e a noite caiu. O jeito foi acampar à margem do
rio. Repórter e fotógrafo armaram uma barraca em cima da
camionete. Os caiapós, que
dormem em redes, riram.
Na manhã seguinte, a equipe
pegou o barco. Seriam três horas de viagem pelo rio Jarinã,
em terra indígena deserta.
Após uma navegação tranqüila, chega-se à clareira, na
margem do rio, onde os índios
acamparam durante o resgate
dos corpos, em outubro. Da clareira até o local da queda, foram três horas de caminhada.
O fotógrafo acendeu velas em
respeito às vítimas.
Na mata, durante a volta, o
índio guerreiro Bekran-õ Metuktire, 49, matou um macaco-prego para o jantar. De volta à
clareira, local da partida, o assessor da Funai perguntou ao
repórter se iria "comer macaco". O repórter respondeu: "Estamos na casa dos índios, como
vou fazer uma desfeita?"
Para os índios, carne de macaco é um manjar. Não era,
portanto, para visitantes. O repórter comeu piranha assada,
pescada pelos índios. O fotógrafo foi de macarrão.
À noite, o repórter resolveu
dormir na rede. Tudo escurece
às 18h. O repórter fica até a 1h
com medo de onça, mas desiste
da vigília. Acende uma fogueira
seis vezes para se esquentar.
Pela manhã, o fotógrafo reclama: "Tinha um índio acendendo fogueira a noite inteira".
Por fim, nova jornada pelo
rio e quatro horas por estradas
de terra até a cidade mais próxima com sinal de celular, que
não existe em um raio de 200
km do local do acidente.
No vôo de volta a Cuiabá
(MT), na sexta-feira, repórter e
fotógrafo enfrentam forte turbulência. O repórter diz: "É,
nessa viagem, só faltou mesmo
comer o macaco".
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