São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007 |
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GILBERTO DIMENSTEIN O cidadão de lixo Ao mesmo tempo, eles reclamam de morar numa cidade suja e culpam o governo pela incivilidade
DESENVOLVEU-SE UMA tecnologia de baixo custo para a
construção de caixas-d'água
a partir da reciclagem das lixeiras de
plástico. A notícia deveria animar os
defensores do ambiente se a descoberta ecologicamente correta não
se transformasse, na cidade de São
Paulo, num negócio lucrativo e penalmente incorreto: na madrugada,
quadrilhas furtam as lixeiras, ajudando a sujar ainda mais as ruas.
O efeito poluidor das quadrilhas é
fortalecido pelos cidadãos comuns. A essência da cidadania de lixo foi captada pelo Datafolha: 38% dos eleitores paulistanos não se lembram em quem votaram para vereador. Entre aqueles com ensino superior, a porcentagem é menor, mas ainda altíssima: 26%. A tradução é a seguinte: se não se lembram em que votaram, isso significa que nem sequer acompanharam o desempenho do parlamentar. Assinaram uma espécie de cheque em branco. É uma alienação nacional: apenas 28% sabem em quem votaram para deputado federal, parcela semelhante à dos que não se lembram quem escolheram para as Assembléias Legislativas. Entre os que têm ensino superior, a taxa sobe para 48%, mas continua ridícula. Não chega, portanto, nem à metade dos eleitores mais educados. Jogar o papel no chão é apenas o símbolo de não se sentir dono da rua, imaginada vagamente como propriedade de um governo, do qual desconfiamos. E, aqui, mais uma contradição: não se confia nos políticos, mas se espera deles a solução. Não há desenvolvimento consistente sem que os indivíduos sejam protagonistas. Sabemos, por exemplo, que as melhores escolas públicas são aquelas em que os pais e a comunidade mais participam. Está mais do que provado que, quanto mais atento e participativo for o cidadão, melhor será a gestão dos recursos públicos. Há um consenso, nas elites econômicas e intelectuais, de que a principal razão para o lento crescimento econômico brasileiro são os gastos públicos -gasta-se muito e mal. Isso se converte em muitos impostos, poucos investimentos, afetando a geração de emprego. É uma das razões, entre várias, da marginalidade juvenil e, portanto, da violência. Mostram-se as mais contundentes estatísticas de que o país deveria mexer nos rombos previdenciários. Não há mobilização porque, afinal, o problema não é nosso, mas dos "outros" -e os "outros", no caso os políticos, não querem se queimar por falta de apoio popular. Na lógica da cidadania de lixo, não há comoção com o fato de que pagamos, por ano, quatro meses de salário ao governo e de que apenas 5% dos alunos saem do último ano do ensino médio com conhecimento apropriado de língua portuguesa. O desperdício é generalizado nas esferas municipal, estadual e federal. Isso explica desde fatos como a alta incidência de crianças com anemia por insuficiência de ferro, os prefeitos comprarem livros didáticos de grupos educacionais privados e recusarem os gratuitos oferecidos pelo governo, até os milhões de recursos jogados fora para treinamento profissional desconectado do mercado de trabalho ou a decisão dos vereadores de aprovarem, quase por unanimidade, financiamento público para seus escritórios eleitorais. Explica também por que Lula se dispõe a destinar R$ 250 milhões para criar uma TV pública, enquanto as emissoras educativas estão sem dinheiro. PS - Nessa rede de irresponsabilidades, entende-se o resultado da pesquisa divulgada na semana passada: 87% da população quer tratar, sem distinção, adultos e crianças infratoras. O problema não seria da falta de educação, da ausência de empregos, dos programas sociais ou da fragilidade policial, mas apenas dos marginais. Logo, o melhor é trancá-los todos juntos, quem sabe numa mesma cela. Assim como no caso do lixo, a violência nos faz viver todos na sujeira. gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Órgão dá posse a novos conselheiros em SP Próximo Texto: No 2º dia da greve da PM, casa de major é alvo de tiros em AL Índice |
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