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PASQUALE CIPRO NETO
"Tremei, poluidores!"
Não foram poucos os sites e jornais que publicaram sem vírgula e sem exclamação a terrífica "ameaça" de Minc
E NÃO É QUE O FUTURO ministro
do Meio Ambiente, Carlos
Minc, já deu um belo nó nos
redatores de jornais e sites?
Aos fatos: em entrevista dada na
última segunda-feira, Minc disparou: "Tremei, poluidores!". Minc dirigiu sua terrífica "ameaça" aos seres representados pelo termo "poluidores", que, por isso, é vocativo
(aquele a quem o emissor se dirige).
Compare estes dois enunciados:
"Mulher filtra os sonhos e cria o que
é possível"; "Mulher, filtra os sonhos
e cria o que é possível". Que diferença vê o prezado leitor entre as duas
construções? Na primeira, "mulher"
é sujeito; na segunda, vocativo. Na
primeira, afirma-se que determinada mulher filtra os sonhos e cria o
que é possível; na segunda, pede-se a
uma mulher que filtre os sonhos e
crie o que é possível. Na escrita, a diferença de sentido é marcada pela
vírgula, inexistente entre verbo e sujeito (e vice-versa) e obrigatória entre verbo e vocativo (e vice-versa).
Não foram poucos os sites e jornais que publicaram sem vírgula a
"ameaça". Dirão os mais afoitos que
isso não muda o (altíssimo) preço do
feijão nem impede a compreensão
do que Minc quis dizer. É a velha (tola e deslumbrada) tese de que "o que
importa é comunicar". O que importa é o que e como comunicar.
Posto isso, vamos ao "tremei" de
Minc. Trata-se da segunda pessoa
do plural (vós) do imperativo afirmativo de "tremer"", cuja formação
obedece ao seguinte esquema: segunda do plural do presente do indicativo sem o "s" final ("tremeis" - "s"
= "tremei"). Na língua de hoje, essas
formas têm baixíssima incidência, o
que nem de longe justifica a obscurantista tese de que a escola deveria
eliminar do estudo da língua materna a segunda pessoa do plural (sob o
argumento de que a pobre já caducou). Não se deve estudar só o que se
usa hoje, não. Isso poria no lixo Eça,
Machado, Pessoa, Cecília, Vinicius,
Oswald (sim, Vinicius e Oswald!) e
outros tantos em cujos escritos se
encontram formas lingüísticas em
desuso, como a segunda do plural.
Ao empregar a forma "tremei",
Minc talvez se tenha inspirado nos
memoráveis versos de "O Navio Negreiro", de Castro Alves: "Senhor
Deus dos desgraçados / Dizei-me
Vós, Senhor Deus! / Se é loucura... se
é verdade / Tanto horror perante os
céus?! / Ó mar, por que não apagas /
Co'a esponja de tuas vagas / De teu
manto este borrão? / Astros! noites!
tempestades! / Rolai das imensidades! / Varrei os mares, tufão!".
Note que o poeta emprega tratamentos distintos: dá ao mar a segunda do singular (tu), mas ao Senhor
Deus dos desgraçados, aos astros, às
noites, às tempestades e ao tufão dá
a segunda do plural, em "dizei", "rolai" e "varrei", que resultam da supressão do "s" final das respectivas
formas do presente do indicativo
(vós dizeis/vós rolais/vós varreis).
Não resisto à tentação de lembrar
que, embora em desuso, as formas
imperativas da segunda do plural
sempre aparecem quando se quer
ordenar, convocar etc. com ênfase e
com certo charme. Um belo exemplo disso é a imperecível forma "uni-vos", com que volta e meia alguém
convoca seus pares para uma empreitada ("Mulheres, uni-vos!"). A
forma "uni" (que não é a da primeira
do singular do pretérito perfeito,
mas a da segunda do plural do imperativo afirmativo) resulta da supressão do "s" final de "unis" ("vós unis",
do presente do indicativo de "unir"
-é bom que se diga que as formas
"unis" e "uni" são oxítonas). É isso.
inculta@uol.com.br
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