São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

"Tremei, poluidores!"

Não foram poucos os sites e jornais que publicaram sem vírgula e sem exclamação a terrífica "ameaça" de Minc

E NÃO É QUE O FUTURO ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, já deu um belo nó nos redatores de jornais e sites?
Aos fatos: em entrevista dada na última segunda-feira, Minc disparou: "Tremei, poluidores!". Minc dirigiu sua terrífica "ameaça" aos seres representados pelo termo "poluidores", que, por isso, é vocativo (aquele a quem o emissor se dirige).
Compare estes dois enunciados: "Mulher filtra os sonhos e cria o que é possível"; "Mulher, filtra os sonhos e cria o que é possível". Que diferença vê o prezado leitor entre as duas construções? Na primeira, "mulher" é sujeito; na segunda, vocativo. Na primeira, afirma-se que determinada mulher filtra os sonhos e cria o que é possível; na segunda, pede-se a uma mulher que filtre os sonhos e crie o que é possível. Na escrita, a diferença de sentido é marcada pela vírgula, inexistente entre verbo e sujeito (e vice-versa) e obrigatória entre verbo e vocativo (e vice-versa).
Não foram poucos os sites e jornais que publicaram sem vírgula a "ameaça". Dirão os mais afoitos que isso não muda o (altíssimo) preço do feijão nem impede a compreensão do que Minc quis dizer. É a velha (tola e deslumbrada) tese de que "o que importa é comunicar". O que importa é o que e como comunicar.
Posto isso, vamos ao "tremei" de Minc. Trata-se da segunda pessoa do plural (vós) do imperativo afirmativo de "tremer"", cuja formação obedece ao seguinte esquema: segunda do plural do presente do indicativo sem o "s" final ("tremeis" - "s" = "tremei"). Na língua de hoje, essas formas têm baixíssima incidência, o que nem de longe justifica a obscurantista tese de que a escola deveria eliminar do estudo da língua materna a segunda pessoa do plural (sob o argumento de que a pobre já caducou). Não se deve estudar só o que se usa hoje, não. Isso poria no lixo Eça, Machado, Pessoa, Cecília, Vinicius, Oswald (sim, Vinicius e Oswald!) e outros tantos em cujos escritos se encontram formas lingüísticas em desuso, como a segunda do plural.
Ao empregar a forma "tremei", Minc talvez se tenha inspirado nos memoráveis versos de "O Navio Negreiro", de Castro Alves: "Senhor Deus dos desgraçados / Dizei-me Vós, Senhor Deus! / Se é loucura... se é verdade / Tanto horror perante os céus?! / Ó mar, por que não apagas / Co'a esponja de tuas vagas / De teu manto este borrão? / Astros! noites! tempestades! / Rolai das imensidades! / Varrei os mares, tufão!".
Note que o poeta emprega tratamentos distintos: dá ao mar a segunda do singular (tu), mas ao Senhor Deus dos desgraçados, aos astros, às noites, às tempestades e ao tufão dá a segunda do plural, em "dizei", "rolai" e "varrei", que resultam da supressão do "s" final das respectivas formas do presente do indicativo (vós dizeis/vós rolais/vós varreis).
Não resisto à tentação de lembrar que, embora em desuso, as formas imperativas da segunda do plural sempre aparecem quando se quer ordenar, convocar etc. com ênfase e com certo charme. Um belo exemplo disso é a imperecível forma "uni-vos", com que volta e meia alguém convoca seus pares para uma empreitada ("Mulheres, uni-vos!"). A forma "uni" (que não é a da primeira do singular do pretérito perfeito, mas a da segunda do plural do imperativo afirmativo) resulta da supressão do "s" final de "unis" ("vós unis", do presente do indicativo de "unir" -é bom que se diga que as formas "unis" e "uni" são oxítonas). É isso.


inculta@uol.com.br

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