São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

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DEPOIMENTO

Se tivesse assumido o filho, minha vida poderia ter sido pior

LUCIANA BRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Conheci o Marcelo no último ano de faculdade de direito, para ser exata, em um festa da turma. Naquela época, tinha parado de tomar anticoncepcional porque estava sem namorado fixo. Ele era amigo de um amigo em comum. Durante a festa, bebemos muito.
Quando dei por mim, já estávamos no apartamento dele, transando. Depois disso, até fiquei a fim dele, mas ele passou a me evitar. Um mês depois, minha menstruação, que era regulada, atrasou. Na mesma hora, pensei: "Estou grávida".
Foi uma época terrível porque sabia que não poderia contar com ele e muito menos com minha família. Meu pai é um coronel do Exército e dizia que preferiria uma filha morta a uma filha mãe solteira.
Ao mesmo tempo, eu só estava começando a minha carreira de advogada. Tinha começado um estágio em um escritório de advocacia importante. Sabia que um filho naquele momento iria ser um balde de água fria.
Por isso, não pensei duas vezes em abortar. Uma amiga conseguiu o Cytotec (misoprostol) no mercado negro. Segui as instruções, mas o embrião não foi expelido. Tive que fazer uma curetagem. Foi traumático no momento, mas confesso que, com o passar do tempo, fui deixando de pensar no assunto. Não me incomoda.
Há 15 anos me casei, tenho duas filhas lindas, um emprego bacana e um marido que me apoia. Sou católica, mas não frequento missas.
Tenho certeza de que se eu tivesse assumido aquele filho, o curso da minha vida poderia ter sido outro, para bem pior. Acho um absurdo essa história de criminalizar mulheres por abortar. O Brasil quer ser tão moderno por um lado, mas é tão retrógrado por outro. É fácil e hipócrita jogar pedras quando não se vive o problema na pele.


LUCIANA BRAGA , 40, é advogada


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