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DEPOIMENTO
Se tivesse assumido o filho, minha vida poderia ter sido pior
LUCIANA BRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Conheci o Marcelo no último
ano de faculdade de direito, para ser exata, em um festa da turma. Naquela época, tinha parado de tomar anticoncepcional
porque estava sem namorado
fixo. Ele era amigo de um amigo
em comum. Durante a festa,
bebemos muito.
Quando dei por mim, já estávamos no apartamento dele,
transando. Depois disso, até fiquei a fim dele, mas ele passou
a me evitar. Um mês depois,
minha menstruação, que era
regulada, atrasou. Na mesma
hora, pensei: "Estou grávida".
Foi uma época terrível porque sabia que não poderia contar com ele e muito menos com
minha família. Meu pai é um
coronel do Exército e dizia que
preferiria uma filha morta a
uma filha mãe solteira.
Ao mesmo tempo, eu só estava começando a minha carreira
de advogada. Tinha começado
um estágio em um escritório de
advocacia importante. Sabia
que um filho naquele momento
iria ser um balde de água fria.
Por isso, não pensei duas vezes em abortar. Uma amiga
conseguiu o Cytotec (misoprostol) no mercado negro. Segui as instruções, mas o embrião não foi expelido. Tive que
fazer uma curetagem. Foi traumático no momento, mas confesso que, com o passar do tempo, fui deixando de pensar no
assunto. Não me incomoda.
Há 15 anos me casei, tenho
duas filhas lindas, um emprego
bacana e um marido que me
apoia. Sou católica, mas não
frequento missas.
Tenho certeza de que se eu tivesse assumido aquele filho, o
curso da minha vida poderia ter
sido outro, para bem pior. Acho
um absurdo essa história de
criminalizar mulheres por
abortar. O Brasil quer ser tão
moderno por um lado, mas é
tão retrógrado por outro. É fácil
e hipócrita jogar pedras quando
não se vive o problema na pele.
LUCIANA BRAGA , 40, é advogada
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