São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

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WALTER CENEVIVA

As potências têm razão


A história recente mostra que as nações "não atômicas" predominam em número no planeta

E NÓS , mais ainda -com bons motivos-, temos razão no acordo sobre o tratamento de urânio para fins pacíficos, firmado entre o presidente Lula, o premiê Erdogan da Turquia e o presidente iraniano Ahmadinejad.
As potências, providas de armas atômicas, reclamaram. Não acreditam no cumprimento das promessas feitas e invocam o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) -que, diga-se, o ajuste brasileiro-turco-iraniano não viola-, segundo os termos divulgados pelo governo do Irã.
Os dois únicos lançamentos de bombas atômicas contra alvos civis (Hiroshima e Nagasaki, em 1945), contribuíram para que o Japão se rendesse, mas tiveram efeitos devastadores.
Até hoje provoca arrepios a filmagem do "Enola Gay", o quadrimotor americano que levou a primeira das bombas, decolando para Hiroshima. Poucas horas depois, cerca de 100 mil pessoas morreriam sem perceberem nem mesmo o que lhes acontecera.
Compreende-se o desejo de impedir que outros países disponham de capacidade destrutiva equivalente.
Sabe-se, entretanto, que o TNP, enquanto regra jurídica apoiada pela ONU, não pode ser imposto fora de suas condições específicas -tanto aos seus signatários ou quanto aos que não o são.
Nesse sentido, cabe lembrar que nós somos o único país do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) que não dispõe de bombas atômicas.
Até hoje não mostramos grande interesse em gastar dinheiro com elas. Isso sem abdicarmos, porém, do direito de novas pesquisas nucleares.
Vista a questão sob o ângulo das críticas, a Rússia, na Tchetchênia, e os Estados Unidos, em várias partes do mundo, praticaram atos ilegais de agressão, de modo que não têm legitimidade para a posição contrária.
O direito internacional público não garante que qualquer país seja forçado a desistir de seu próprio arsenal. Só por isso, nem seria o caso de discutir a posição de Ahmadinejad ou se um de seus sucessores seguirá a mesma linha, em um país de típico controle religioso
E o Brasil? Certamente não pretende dispor dessas armas. Nem teria como utilizá-las contra seus vizinhos ou nações distantes.
Há uma razão prática: hoje, os interesses políticos, científicos e econômicos são maiores e mais urgentes.
Tais interesses convergem para soluções negociadas contra o uso de força armada, mas as potências que se opõem ao acordo do Irã deram, na segunda metade do século 20, maus exemplos agressivos de desrespeito do direito internacional.
Nesse perfil, na busca de desenvolvimento com o uso pacífico da energia nuclear, a política adotada pelo Brasil é compatível com o direito.
Relaciona-se, ainda, com o direito ao exercício de sua soberania, o que os outros componentes do Bric têm praticado, mas com fins bélicos.
Os Brics têm projetos comuns, de expressão variada. O mesmo se diz dos interesses relacionados com os Estados Unidos, no contexto latino-americano.
No campo do átomo e de suas experiências, a forte pressão para impedir a fabricação de armas nucleares é imprescindível.
A história recente mostra, porém, que as nações "não atômicas", predominam em número no planeta. Não mostraram interesse em sacrificar partes substanciais de seus orçamentos apenas para o avanço militar.
Esse é o caso de Brasil e Turquia, que, ao desagradarem as potências, mostram que a busca do uso pacífico do urânio é a forma correta de agir em face do Irã.


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