São Paulo, terça-feira, 22 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Perplexidade injustificada

ALDO DE CAMPOS COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fiz recentemente um levantamento que mostra que 80% dos motoristas que deixam de soprar o bafômetro ou fornecer amostra de sangue ao serem parados pela fiscalização acabam sendo absolvidos pela Justiça. A constatação parece ter gerado surpresa no Congresso, que já apresentou duas propostas para alterar a chamada lei seca.
Essa perplexidade é injustificada se entendermos as duas principais razões pelas quais a recusa dos condutores impede a caracterização da infração prevista no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que pune quem conduzir veículo com concentração alcóolica igual ou superior a 6 dg/l de sangue.
Em primeiro lugar, o que a lei sanciona não é a "embriaguez ao volante", mas o excesso de alcoolemia, isto é, a presença de taxa de álcool no organismo mais elevada do que a permitida. A partir disso fica mais claro compreender por que só os testes de alcoolemia permitem aferir a presença da taxa mínima especificada no artigo. Uma testemunha sempre poderá dizer que alguém está embriagado, pois é um conceito subjetivo, mas jamais poderá atestar objetivamente uma concentração alcoólica no corpo do motorista.
Em segundo lugar, os tribunais, principalmente o Supremo Tribunal Federal, fazem uma interpretação da regra do "nemo tenetur" -isto é, do privilégio contra a autoincriminação- muito mais ampla do que o razoável, a ponto de compreender situações tão diversas quanto o direito ao silêncio, o direito a mentir e a impossibilidade de intervenções corporais.
Essas duas razões eram conhecidas pelo legislador desde 2006, quando o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) propôs a modificação da redação original do artigo 165 do código, que à época também mencionava um limite de concentração alcoólica, mas só para a caracterização do ilícito administrativo.
Na justificativa do seu projeto, que posteriormente se tornou lei, o parlamentar afirmava que, apesar de os testes constituírem a prova de que o condutor está ou não embriagado e, consequentemente, serem capazes de configurar a infração, pelo direito brasileiro ninguém é obrigado a fazê-los. Desta forma, não haveria como caracterizar o delito, gerando impunidade, o que, segundo o próprio deputado, era inadmissível.


Aldo de Campos Costa é advogado criminalista


Texto Anterior: Projeto prevê punir quem recusar bafômetro
Próximo Texto: Dia Sem Carro terá bicicletada hoje na região da Paulista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.