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ANÁLISE
Perplexidade injustificada
ALDO DE CAMPOS COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Fiz recentemente um levantamento que mostra que 80%
dos motoristas que deixam de
soprar o bafômetro ou fornecer
amostra de sangue ao serem parados pela fiscalização acabam
sendo absolvidos pela Justiça. A
constatação parece ter gerado
surpresa no Congresso, que já
apresentou duas propostas para
alterar a chamada lei seca.
Essa perplexidade é injustificada se entendermos as duas
principais razões pelas quais a
recusa dos condutores impede a
caracterização da infração prevista no artigo 306 do Código de
Trânsito Brasileiro, que pune
quem conduzir veículo com
concentração alcóolica igual ou
superior a 6 dg/l de sangue.
Em primeiro lugar, o que a lei
sanciona não é a "embriaguez
ao volante", mas o excesso de alcoolemia, isto é, a presença de
taxa de álcool no organismo
mais elevada do que a permitida. A partir disso fica mais claro
compreender por que só os testes de alcoolemia permitem aferir a presença da taxa mínima
especificada no artigo. Uma testemunha sempre poderá dizer
que alguém está embriagado,
pois é um conceito subjetivo,
mas jamais poderá atestar objetivamente uma concentração
alcoólica no corpo do motorista.
Em segundo lugar, os tribunais, principalmente o Supremo Tribunal Federal, fazem
uma interpretação da regra do
"nemo tenetur" -isto é, do privilégio contra a autoincriminação- muito mais ampla do que
o razoável, a ponto de compreender situações tão diversas
quanto o direito ao silêncio, o
direito a mentir e a impossibilidade de intervenções corporais.
Essas duas razões eram conhecidas pelo legislador desde
2006, quando o deputado Beto
Albuquerque (PSB-RS) propôs
a modificação da redação original do artigo 165 do código, que
à época também mencionava
um limite de concentração alcoólica, mas só para a caracterização do ilícito administrativo.
Na justificativa do seu projeto, que posteriormente se tornou lei, o parlamentar afirmava
que, apesar de os testes constituírem a prova de que o condutor está ou não embriagado e,
consequentemente, serem capazes de configurar a infração,
pelo direito brasileiro ninguém
é obrigado a fazê-los. Desta forma, não haveria como caracterizar o delito, gerando impunidade, o que, segundo o próprio deputado, era inadmissível.
Aldo de Campos Costa é advogado criminalista
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