São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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AGENDA DA TRANSIÇÃO

José Roberto Afonso afirma que prefeita poderá sofrer sanções até penais por deixar dívidas ao seu sucessor

Consultor de Serra vê "herança maldita"

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cotado para assumir a função de consultor especial do prefeito eleito José Serra, o economista José Roberto Afonso evocou um termo explorado no cenário político há dois anos -herança maldita- para descrever a saúde financeira da prefeitura. Falando em nome de Serra, alerta os fornecedores que temem uma quebra de contrato: "Resolvam com a Marta até 31 de dezembro ou com os órgãos competentes [Justiça]".
Procurado pela Folha, o governo de Marta Suplicy não quis se manifestar sobre a entrevista.

Folha - O que o senhor acha do pedido da prefeita Marta Suplicy para prorrogar em um ano, a partir de maio, o prazo de enquadramento da prefeitura na Lei de Responsabilidade Fiscal?
José Roberto Afonso -
Espero que não seja uma tentativa de desviar a atenção do que está acontecendo na prefeitura hoje. A responsabilidade fiscal estará em jogo em 31 de dezembro, e não em maio.

Folha - Ela deve fazer isso agora?
Afonso -
O exercício financeiro não acabou em 31 de outubro, na eleição. E quem perdeu a eleição não perdeu a responsabilidade pelos atos na sua gestão.

Folha - Como está a cidade?
Afonso -
Infelizmente, na transição não estão sendo fornecidos os dados necessários para uma avaliação correta. O que se diz é que as contas estão em ordem. Se estão em ordem, por que os guinchos estão parados?

Folha - Qual é a saída?
Afonso -
Uma coisa que a nova administração terá que dar é um choque de gestão. O Serra está animado. O que se vê aqui dá motivos para voltar a uma expressão que esteve na ordem do dia dois anos atrás: herança maldita. Dois anos atrás [na transição de FHC para Lula], foi usada como objeto de marketing. Aqui, é uma realidade. Mas não faremos como uma prática tradicional do PT que é fugir das responsabilidades tentando atribui-las aos outros.

Folha - O que vai ocorrer, então?
Afonso -
Deixando compromissos a descoberto, você tem sanções, inclusive penais. Não queria opinar sobre isso porque é algo muito sério. Tribunal de Contas, Ministério Público e Justiça que têm que se manifestar e tomar as decisões devidas. Tem uma série de exigências na lei que o procurador não precisa aguardar para entrar com as ações devidas.

Folha - Por exemplo?
Afonso-
Assumir compromissos sem autorização legislativa, sem contabilizar na despesa. Se você não registra para escapar da responsabilidade, está assumindo um crime muito pior, que é ter despesa sem autorização legal.

Folha - O administrador está passível a quê nesse caso?
Afonso -
[Lê um decreto-lei de 1967] A perda de cargo e inabilitação. Também a detenção de três meses a três anos. Melhor os procuradores se manifestarem.

Folha - Mas e os credores?
Afonso -
Os compromissos assumidos por Serra serão honrados. Quanto aos da gestão passada, isso tem de ser examinado pelos órgãos competentes. Resolvam com a Marta até 31 de dezembro ou com os órgãos competentes.

Folha - Como compatibilizar as promessas de redução de taxas e aumento de investimento?
Afonso -
Investindo pesadamente na melhoria de gestão. Vamos dar um exemplo: taxa de coleta de lixo e de iluminação pública. Quando você cobra a taxa, o banco cobra da prefeitura. De repente vamos descobrir que o peso dessa tarifa bancária para quem mora na periferia é brutal. Então se revê a forma de tributar. No Rio, cobra-se IPTU, taxa de coleta de lixo e de iluminação num único carnê, pagando uma só tarifa bancária.

Folha - O [ex-secretário de Finanças] Amir Khair diz que há uma demagogia na promessa de redução de taxa, já que não é possível reduzi-las e manter os investimentos.
Afonso -
Concordo com a cobrança do Amir, discordo da demagogia. Há espaço para racionalizar a forma de cobrança de tributos. A atual prefeitura aumentou muito a despesa. Entre a posse e 2003, as receitas subiram 35%. Não sei se significou uma melhoria de serviços locais. Se tivesse significado, provavelmente a prefeita não teria perdido a eleição.

Folha - O senhor diz que Serra não vai reivindicar mudança na LRF, mas ele já propôs mudança no índice [de correção da dívida].
Afonso -
O que o Serra não fará é pedir para o Lula que assuma o buraco que a Marta deixou. Isso seria contra a LRF. É pedir uma nova rolagem. Mas a rolagem da dívida tem um vício de origem. Chama-se IGP-DI [Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna]. A União assumiu a dívida dos Estados, passou a dever ao mercado pagando taxa Selic e a receber dos Estados e municípios pelo IGP-DI mais 6% ou 9%. De dezembro de 2000 a agosto deste ano, o IGP-DI mais 6% cresceu 116%. A taxa Selic cresceu 100%. A dívida dos Estados e municípios cresceu mais que a federal.

Folha - É possível negociar a ampliação do limite para São Paulo?
Afonso -
O ideal era que a área econômica se posicionasse todo ano sobre o limite.

Folha - Mas será uma proposta?
Afonso -
Na prefeitura, é preciso saber o que é um vício de origem e o que é problema da atual gestão. Você não sabe dizer quem não fez a trajetória [de queda da dívida] porque não fez esforço fiscal, pois essa trajetória subiu devido a um problema que não tem a ver com a Marta, o Aécio Neves ou o Geraldo Alckmin. É separar o vício de origem e depois aplicar o resto.

Folha - A Prefeitura de São Paulo vai amortizar a dívida?
Afonso
A lei não exige amortização. Exige a trajetória de redução, gerando resultado primário e cortando gasto corrente. O Serra cumprirá a lei. Não está escrito na lei que tem de pagar R$ 7 bilhões.

Folha - Mas está escrito que não vai receber transferências voluntárias. É o preço que ele vai pagar?
Afonso -
É a conta que a cidade pode pagar pois a Marta não fez a trajetória [correta].

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