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AGENDA DA TRANSIÇÃO
José Roberto Afonso afirma que prefeita poderá sofrer sanções até penais por deixar dívidas ao seu sucessor
Consultor de Serra vê "herança maldita"
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Cotado para assumir a função
de consultor especial do prefeito
eleito José Serra, o economista José Roberto Afonso evocou um
termo explorado no cenário político há dois anos -herança maldita- para descrever a saúde financeira da prefeitura. Falando
em nome de Serra, alerta os fornecedores que temem uma quebra
de contrato: "Resolvam com a
Marta até 31 de dezembro ou com
os órgãos competentes [Justiça]".
Procurado pela Folha, o governo de Marta Suplicy não quis se
manifestar sobre a entrevista.
Folha - O que o senhor acha do
pedido da prefeita Marta Suplicy
para prorrogar em um ano, a partir
de maio, o prazo de enquadramento da prefeitura na Lei de Responsabilidade Fiscal?
José Roberto Afonso - Espero que
não seja uma tentativa de desviar
a atenção do que está acontecendo na prefeitura hoje. A responsabilidade fiscal estará em jogo em
31 de dezembro, e não em maio.
Folha - Ela deve fazer isso agora?
Afonso - O exercício financeiro
não acabou em 31 de outubro, na
eleição. E quem perdeu a eleição
não perdeu a responsabilidade
pelos atos na sua gestão.
Folha - Como está a cidade?
Afonso - Infelizmente, na transição não estão sendo fornecidos os
dados necessários para uma avaliação correta. O que se diz é que
as contas estão em ordem. Se estão em ordem, por que os guinchos estão parados?
Folha - Qual é a saída?
Afonso - Uma coisa que a nova
administração terá que dar é um
choque de gestão. O Serra está
animado. O que se vê aqui dá motivos para voltar a uma expressão
que esteve na ordem do dia dois
anos atrás: herança maldita. Dois
anos atrás [na transição de FHC
para Lula], foi usada como objeto
de marketing. Aqui, é uma realidade. Mas não faremos como
uma prática tradicional do PT que
é fugir das responsabilidades tentando atribui-las aos outros.
Folha - O que vai ocorrer, então?
Afonso - Deixando compromissos a descoberto, você tem sanções, inclusive penais. Não queria
opinar sobre isso porque é algo
muito sério. Tribunal de Contas,
Ministério Público e Justiça que
têm que se manifestar e tomar as
decisões devidas. Tem uma série
de exigências na lei que o procurador não precisa aguardar para
entrar com as ações devidas.
Folha - Por exemplo?
Afonso- Assumir compromissos
sem autorização legislativa, sem
contabilizar na despesa. Se você
não registra para escapar da responsabilidade, está assumindo
um crime muito pior, que é ter
despesa sem autorização legal.
Folha - O administrador está passível a quê nesse caso?
Afonso - [Lê um decreto-lei de
1967] A perda de cargo e inabilitação. Também a detenção de três
meses a três anos. Melhor os procuradores se manifestarem.
Folha - Mas e os credores?
Afonso - Os compromissos assumidos por Serra serão honrados.
Quanto aos da gestão passada, isso tem de ser examinado pelos órgãos competentes. Resolvam com
a Marta até 31 de dezembro ou
com os órgãos competentes.
Folha - Como compatibilizar as
promessas de redução de taxas e
aumento de investimento?
Afonso - Investindo pesadamente na melhoria de gestão. Vamos
dar um exemplo: taxa de coleta de
lixo e de iluminação pública.
Quando você cobra a taxa, o banco cobra da prefeitura. De repente
vamos descobrir que o peso dessa
tarifa bancária para quem mora
na periferia é brutal. Então se revê
a forma de tributar. No Rio, cobra-se IPTU, taxa de coleta de lixo
e de iluminação num único carnê,
pagando uma só tarifa bancária.
Folha - O [ex-secretário de Finanças] Amir Khair diz que há uma demagogia na promessa de redução
de taxa, já que não é possível reduzi-las e manter os investimentos.
Afonso - Concordo com a cobrança do Amir, discordo da demagogia. Há espaço para racionalizar a forma de cobrança de tributos. A atual prefeitura aumentou muito a despesa. Entre a posse
e 2003, as receitas subiram 35%.
Não sei se significou uma melhoria de serviços locais. Se tivesse
significado, provavelmente a prefeita não teria perdido a eleição.
Folha - O senhor diz que Serra
não vai reivindicar mudança na
LRF, mas ele já propôs mudança no
índice [de correção da dívida].
Afonso - O que o Serra não fará é
pedir para o Lula que assuma o
buraco que a Marta deixou. Isso
seria contra a LRF. É pedir uma
nova rolagem. Mas a rolagem da
dívida tem um vício de origem.
Chama-se IGP-DI [Índice Geral
de Preços - Disponibilidade Interna]. A União assumiu a dívida dos
Estados, passou a dever ao mercado pagando taxa Selic e a receber
dos Estados e municípios pelo
IGP-DI mais 6% ou 9%. De dezembro de 2000 a agosto deste
ano, o IGP-DI mais 6% cresceu
116%. A taxa Selic cresceu 100%. A
dívida dos Estados e municípios
cresceu mais que a federal.
Folha - É possível negociar a ampliação do limite para São Paulo?
Afonso - O ideal era que a área
econômica se posicionasse todo
ano sobre o limite.
Folha - Mas será uma proposta?
Afonso - Na prefeitura, é preciso
saber o que é um vício de origem e
o que é problema da atual gestão.
Você não sabe dizer quem não fez
a trajetória [de queda da dívida]
porque não fez esforço fiscal, pois
essa trajetória subiu devido a um
problema que não tem a ver com
a Marta, o Aécio Neves ou o Geraldo Alckmin. É separar o vício
de origem e depois aplicar o resto.
Folha - A Prefeitura de São Paulo
vai amortizar a dívida?
Afonso A lei não exige amortização. Exige a trajetória de redução,
gerando resultado primário e cortando gasto corrente. O Serra
cumprirá a lei. Não está escrito na
lei que tem de pagar R$ 7 bilhões.
Folha - Mas está escrito que não
vai receber transferências voluntárias. É o preço que ele vai pagar?
Afonso - É a conta que a cidade
pode pagar pois a Marta não fez a
trajetória [correta].
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