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MOACYR SCLIAR
Um estranho Papai Noel
Sua fantasia era perfeita; a barba era autêntica, omo
o era o ventre protuso, mas não falava com ninguém
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Shoppings contratam 700 papais noéis neste fim de ano em todo o país. Levantamento da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings) aponta que
700 pessoas foram contratadas em shoppings de todo o país para trabalhar como
Papai Noel neste fim de ano. Alguns papais noéis, conforme a Alshop, podem
ganhar até R$ 8.000 durante a temporada. Segundo a pesquisa, a maioria dos
"bons velhinhos" é idosa -em geral, são
aposentados que fazem cursos para ter
um bom desempenho no papel. Aprendem técnicas de maquiagem, como vestir melhor a fantasia vermelha e falar
com as crianças. Folha Online
CONTRATADOS OS PAPAIS NOÉIS
passou-se à etapa seguinte,
que era a do treinamento.
Muito necessário, segundo gerentes
de lojas. Vários daqueles idosos senhores não tinham qualquer experiência no desempenho do papel de
bom velhinho. Não sabiam rir como
o Papai Noel (Ho! Ho! Ho!), não sabiam o que fazer quando o garoto
que os pais sentavam em seu colo
começava a chorar assustado. Um
deles admitiu que, nesse caso, mandaria o pestinha calar a boca.
O treinamento, então, tinha sido
cuidadosamente preparado por técnicos especializados e incluía disciplinas do tipo "Como lidar com os
pedidos em época de crise". As aulas
seriam ministradas num centro de
convenções distante da cidade -e
em horário noturno, para não chamar a atenção do público.
Chegou a noite do curso e ali estavam todos os 700 papais noéis. A
presença era obrigatória; o candidato que faltasse perderia automaticamente o cargo, a fantasia, a barba, o
saco de presentes, tudo. Aliás, fantasiados eles já estavam, já que haveria
aulas práticas e a fantasia era indispensável para tal. Reunidos no saguão, os papais noéis conversavam
animadamente. Vários deles se conheciam de outros Natais; mas havia alguns que aparentemente estavam ali pela primeira vez. E um desses chamava a atenção.
Para começar, de todos que estavam ali, ele era o que mais se parecia
com o Papai Noel da lenda. Sua fantasia era perfeita; a barba claramente era autêntica, como o era o ventre
protuso -aquele não precisaria recorrer a um travesseiro para disfarçar a magreza. Mas, coisa esquisita,
não falava com ninguém. Estava
sentado num canto, calado, distante.
Aquilo intrigou os outros papais
noéis. Esse cara é um impostor,
disse um deles, desconfiado.
Uma suposição não infundada;
sabe-se que até assaltantes às vezes
se disfarçam de bom-velhinho. Resolveram interrogá-lo. Postaram-se
a seu redor, uns 30 senhores, e começaram a fazer perguntas: quem é
você? De onde veio?
Cabeça baixa, o estranho Papai
Noel não respondia. Alguém se lembrou de pedir os documentos dele. E
aí, o inesperado: o homem levantou
de súbito e saiu correndo pela porta
dos fundos. No estacionamento, soltou um agudo assobio.
Apareceu, então, vindo ninguém
sabia de onde, um trenó -um trenó
de verdade- puxado por renas. O
homem saltou para dentro e em segundos desapareceu.
Ninguém soube explicar o que
acontecera. Mas uma hipótese estava na cabeça de todos: com a crise
mundial, até o Papai Noel é candidato a ganhar alguma grana.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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