São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 1999

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LETRAS JURÍDICAS

São Paulo, o município

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

O artigo 18 da Constituição garante a autonomia do município e o artigo 30 determina suas competências. Ambos sugerem, na antevéspera dos 445 anos desta capital, seu cotejo com o cumprimento e o descumprimento das regras constitucionais nos municípios brasileiros.
Tomarei os incisos 3º a 9º do artigo 30 como paradigma. O inciso 3º é desapontador. Permite ao município instituir e arrecadar tributos de sua competência, aplicar suas rendas, de tudo prestando contas.
Considerada a irrefreável volúpia de aumentar os impostos, com a simultânea dificuldade de contas merecedoras de crédito, a tendência é para normas descumpridas, com e sem pertinência direta com os atuais prefeitos, Brasil afora.
O inciso 4º permite ao município, "criar, organizar e suprimir distritos", em tarefa que, aqui, não tem dado trabalho, diferentemente do inciso 5º, relativo à organização e prestação dos "serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial". O transporte urbano, organizável pelo município de São Paulo, é o de veículos automotores. Metrô e controle dos serviços interurbanos por trens e rodovias são estaduais. Os ônibus municipais são problemas agravados: a prefeitura não paga as empresas, que atrasam salários, que geram greves, que o povo paga.
Os incisos 6º e 7º exigem cooperação técnica e financeira da União e do Estado. O município tem mostrado esforço para manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental (6º), embora em nível muito inferior ao das boas escolas particulares. Todavia, o trabalho de aprimoramento existe. Lê-se, no inciso 7º, que cabe ao município prestar o atendimento à saúde da população. São questões separadas: a da cooperação técnico-financeira, emaranhada em burocracias e a da má qualidade do atendimento por falta de dinheiro, que, em São Paulo, tem tropeçado no PAS.
É provável que respeito (ou desrespeito) ao inciso 8º seja o maior causador de corrupção no serviço municipal. Liga-se ao ordenamento territorial, com planejamento e controle do parcelamento e da ocupação do solo, como se tem visto na mídia. A força corruptora, econômica e política aparece, muito nítida, na ocupação desordenada ou alterada ao sabor dos poderosos.
Já o inciso 9º tem apresentado progressos. Atribui à municipalidade o dever de proteger o "patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual". Algum cuidado de preservação tem sido notado.
Essa cidade (assim como Rio, aniversariante da semana passada) e seus problemas viveram, de 1964 a 1985, sob o poder central. Há 14 anos, vem tentando encontrar os caminhos de seu próprio espaço interno. Mais populosa do que 22 Estados e mais rica, juntamente com seus arredores, do que quase todos, São Paulo tem problemas cuja magnitude excede a capacidade de sua administração. E de seu dinheiro.
O fato de ser capital de Estado complica soluções. Na Justiça, o número de juízes é, proporcionalmente, superior ao das comarcas de interior, que acabam prejudicadas. O mesmo padrão vale para o número de advogados e de promotores ou procuradores de Justiça.
Serviços telefônicos, de eletricidade, de água e esgoto e aeroportos não são do município, sem falar nas polícias. O rio Tietê, estadual, dá exemplo, ao misturar problemas e autoridades, processos e burocracia, dinheiros e empresas que jamais acabam. Tudo bem considerado, é até surpreendente que a cidade funcione. Quando não chove, claro.




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