São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2002

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Polícia só melhora com combate à corrupção

Juca Varella/Folha Imagem
Participantes do debate sobre segurança pública no auditório da Folha; discussão abordou necessidade de interação com sociedade civil


Aliado à integração com a sociedade, caminho foi apontado quase que por consenso entre debatedores presentes ao auditório da Folha

DA REPORTAGEM LOCAL

A eficácia da ação policial depende de um aprimoramento dos mecanismos de controle interno das corporações e de uma interação mais efetiva dos homens da segurança com a sociedade civil.
Essa foi a tônica do debate sobre opções de segurança pública promovido pela Folha na quinta.
Cinco pessoas participaram da mesa-redonda: o atual e um ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo, dois deputados (um deles ex-chefe de polícia) e um pesquisador.
Mediado pelo jornalista Gilberto Dimenstein, colunista da Folha, o debate evidenciou que a segurança pública é um problema que ultrapassa o limite de atuação das polícias, mas mostrou também que essas corporações ainda têm muito a ganhar em eficiência.

CORRUPÇÃO - "Não há crime no Brasil que não tenha envolvimento de policial. Então, o grande segredo para conter a criminalidade é fazer o controle interno dos setores de segurança." Foi assim que abriu o debate o deputado Hélio Luz (PT-RJ), ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, concordou, rebatendo a generalização.
"Há casos, evidentemente, de corrupção. E é evidente também que combater corrupto na polícia é fundamental. Mas não diria que todo crime tem policial por trás", disse Abreu Filho, admitindo que os salários pagos à polícia são baixos, mas negando uma relação direta entre eles e a corrupção.

CONTROLE - Na opinião de Paulo de Mesquita Neto, secretário-executivo do Instituto São Paulo Contra a Violência, o principal instrumento para combater essa corrupção e garantir o maior controle das polícias -e, consequentemente, maior eficácia- é a descentralização das corregedorias, aliada a uma maior integração com a sociedade civil.
"Hoje, a maior parte das acusações contra policiais é investigada onde os acusados trabalham. É muito difícil assim", afirmou Mesquita, dizendo que a mudança dessa prática é tão difícil quanto fundamental.
Abreu Filho, no cargo há 30 dias, concorda. Além de colocar em prática a descentralização das corregedorias -prometida há sete anos-, ele também acenou com a possibilidade de simplificar os processos de demissão de policiais violentos e corruptos.

XERIFES - Para o deputado federal Cunha Bueno (PPB-SP), do partido de Paulo Maluf, a corrupção existe, é um obstáculo à eficiência da polícia, mas não o maior deles. "A polícia não é diferente da sociedade. O que falta é um comando do governo. O bandido precisa ter medo da polícia. Mas, hoje, quando o policial tem uma atitude repressiva, é castigado, vai à escola de educação."
Indagado se concorda com essa posição, que tem sido defendida também pelo PMDB, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-secretário da Segurança Pública do governo Orestes Quércia, rebateu.
"Não compactuo com essa opinião do PMDB e do ex-governador Quércia. Acho que a polícia não está na rua, mas era assim no meu tempo também. Não adianta culpar os governos. Parto do princípio de que o problema não é exclusivamente policial."
Abreu Filho foi mais incisivo. "Essa coisa de pulso firme passa muito mais pela figura do xerifão. São grandes covardes. Está cheio de prefeito com pinta de xerife que adota a pena do banimento: tira daqui, o problema não é meu. Empurra-se tanto com a barriga, que o problema estoura", disse.
Para o pesquisador Mesquita, o número de pessoas presas -já são mais de 100 mil no Estado- mostra que a polícia está na rua e o número de denúncias e de opositores mortos evidencia que ela é dura. "A polícia está na rua, sim, para o bem e para o mal."

TRADIÇÃO - Se Cunha Bueno atribui à falta de autoridade as falhas de prevenção e investigação, há quem veja suas raízes em um passado mais longínquo.
"A PM não previne porque tem uma formação militar e se nega a fazer polícia. É uma questão de cultura", diz Mariz, novamente admitindo que o problema já existia em sua própria gestão.
Hélio Luz diz mais. "A Polícia Civil foi criada para fazer a proteção do rei dom João 6º. A PM, para espancar escravo. Essa polícia talvez tenha que acabar", afirma o ex-chefe de polícia, para o qual o foco da atividade policial -a proteção da elite- impede que a polícia combata os maiores criminosos -figurões dessa casta.
"A polícia foi feita pra ser violenta e corrupta, porque isso mantém o Estado brasileiro, que é violento e corrupto. As polícias fazem controle social até hoje. Na hora que meteram algema no Jader [Barbalho, ex-senador" todo mundo pulou. Por quê? Por que é branco e rico?"

O ESTADO - Na opinião da maioria dos debatedores, uma ação policial direta e efetiva -norteada pelo controle interno- levará à queda da criminalidade. Mas é uma solução temporária.
"A sociedade tem uma patologia da violência. Mata-se porque não se consegue conviver com frustração. Não é uma questão de governo, é de Estado", diz Mariz.
"Ela [a polícia" tem sua responsabilidade, mas não é exclusiva. Nós temos uma maquininha geradora de fatores criminógenos, mas nunca falamos nela. A criança abandonada, por exemplo, está nos preocupando agora porque ela está nos assaltando."
Permeiam o problema de Estado, segundo os debatedores, dezenas de perguntas para as quais as autoridades precisam dar respostas: que polícia queremos? com quais políticas sociais vamos combater os crimes? como vamos distribuir a renda?
"Temos de deixar de ser uma sociedade hedonista e egoísta e abrir um pouco os braços. Se não o fizermos por questão de solidariedade humana, pelo menos que seja por uma questão de autopreservação. Isso é fazer segurança pública. Afinal, o crime é gerado dentro da sociedade", diz Mariz.
Quem está sentado na cadeira em foco, faz coro a esse diagnóstico. "Cobrem da polícia aspectos de polícia. A polícia só pode agir de um jeito: prendendo. Quem tem que urbanizar e desfavelar as cidades? Quem deixou as cidades chegarem a esse estado? Foi a polícia?", indaga o secretário, que sugeriu que o chamem de chefe de polícia "para dar exatamente o limite" da sua atuação.


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