São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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WALTER CENEVIVA

1808 e o efeito retardado

O espírito português produziu efeitos mais importantes que espanhóis, holandeses e franceses nas Américas

PARA O DIREITO, pensado em termos universais, a importância da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, foi restrita. A Revolução Francesa -que mudou o mundo ocidental- havia marcado a história com brilhos da guilhotina caindo sobre pescoços ilustres. Trouxe com ela a Constituinte. A independência dos Estados Unidos e seus juristas haviam gerado princípios constitucionais cuja repercussão ainda ecoa pelo planeta, ao mesmo tempo em que Tiradentes era bode expiatório da revolta mineira, em 1789.
A fuga da corte, com dona Maria e dom João à frente, foi episódio colateral da velha rivalidade entre franceses (que invadiram Portugal) e ingleses (cuja esquadra protegeu as caravelas lusitanas).
Em meados do século 17, a revolução inglesa havia afirmado a importância das Câmaras dos Lordes e dos Comuns enquanto órgãos efetivos de governo, afetando o poder absoluto que Carlos 1º pretendeu manter até ser substituído pela força (e pela forca) em 1649 -para ficar numa descrição rústica e breve.
A formação dos juristas brasileiros desse tempo era sediada em Coimbra, mas os píncaros da filosofia e do direito estavam em outros pólos. Montesquieu morrera em 1755. Immanuel Kant (1724-1804) produzira obras fundamentais do pensamento humano, aí incluídos ensaios sobre os princípios metafísicos do direito. Beccaria ("Dos delitos e das penas") trouxera visão nova no direito criminal, sem falar ainda em Voltaire e Rousseau em outros campos das idéias.
Hoje, passados 200 anos, a visão da fuga desesperada rumo ao Brasil mostra o brilho maior do espírito luso com o único país gigante e unitário da América Latina, falando a mesma língua, movido pelos mesmos impulsos.
Dentre os atos político-jurídicos do governo português no Brasil, a unidade legal do reino, a abertura dos portos, a geração dos liames internos, a contar do Rio de Janeiro, levaram ao caminho inexorável da independência. As colônias espanholas, subdivididas em países menores -também sob conveniências inglesas-, geraram núcleos apartados e, às vezes, hostis entre eles.
A visão centralizada e autoritária da monarquia brasileira teve a marca portuguesa, no alinhamento de Pedro 1º. Foi dele a preocupação de criar os cursos jurídicos de São Paulo, o primeiro a funcionar, e de Olinda, antes mesmo que no Rio de Janeiro -que continuou capital na República até 1960. Pedro 2º havia consolidado a unidade da nação.
Independentemente das circunstâncias que marcaram a vinda da família real, verdade é que o espírito português terminou produzindo efeitos mais importantes e mais duradouros que espanhóis, holandeses e franceses nas Américas.
As leis portuguesas -embora geradas centenas de anos antes- continuaram em vigor para só serem afastadas definitivamente, no âmbito do direito comum, com a vigência do Código Civil, em 1917 -quando revogado o que remanescia das antigas ordenações do reino.
Passados 200 anos, percebe-se que só Portugal alcançou êxito tão grande em sua política de colonização na América. Estendeu nossas fronteiras até os Andes. Transmitiu-nos seu idioma. O Brasil continental nasceu com os portugueses.


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