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WALTER CENEVIVA
1808 e o efeito retardado
O espírito português produziu efeitos mais importantes que espanhóis, holandeses e franceses nas Américas
PARA O DIREITO, pensado em
termos universais, a importância da vinda da família real
portuguesa para o Brasil, em 1808,
foi restrita. A Revolução Francesa
-que mudou o mundo ocidental-
havia marcado a história com brilhos da guilhotina caindo sobre pescoços ilustres. Trouxe com ela a
Constituinte. A independência dos
Estados Unidos e seus juristas haviam gerado princípios constitucionais cuja repercussão ainda ecoa pelo planeta, ao mesmo tempo em que
Tiradentes era bode expiatório da
revolta mineira, em 1789.
A fuga da corte, com dona Maria e
dom João à frente, foi episódio colateral da velha rivalidade entre franceses (que invadiram Portugal) e ingleses (cuja esquadra protegeu as
caravelas lusitanas).
Em meados do século 17, a revolução inglesa havia afirmado a importância das Câmaras dos Lordes e dos
Comuns enquanto órgãos efetivos
de governo, afetando o poder absoluto que Carlos 1º pretendeu manter
até ser substituído pela força (e pela
forca) em 1649 -para ficar numa
descrição rústica e breve.
A formação dos juristas brasileiros desse tempo era sediada em
Coimbra, mas os píncaros da filosofia e do direito estavam em outros
pólos. Montesquieu morrera em
1755. Immanuel Kant (1724-1804)
produzira obras fundamentais do
pensamento humano, aí incluídos
ensaios sobre os princípios metafísicos do direito. Beccaria ("Dos delitos
e das penas") trouxera visão nova no
direito criminal, sem falar ainda em
Voltaire e Rousseau em outros
campos das idéias.
Hoje, passados 200 anos, a visão
da fuga desesperada rumo ao Brasil
mostra o brilho maior do espírito luso com o único país gigante e unitário da América Latina, falando a
mesma língua, movido pelos mesmos impulsos.
Dentre os atos político-jurídicos
do governo português no Brasil, a
unidade legal do reino, a abertura
dos portos, a geração dos liames internos, a contar do Rio de Janeiro,
levaram ao caminho inexorável da
independência. As colônias espanholas, subdivididas em países menores -também sob conveniências
inglesas-, geraram núcleos apartados e, às vezes, hostis entre eles.
A visão centralizada e autoritária
da monarquia brasileira teve a marca portuguesa, no alinhamento de
Pedro 1º. Foi dele a preocupação de
criar os cursos jurídicos de São Paulo, o primeiro a funcionar, e de Olinda, antes mesmo que no Rio de Janeiro -que continuou capital na República até 1960. Pedro 2º havia
consolidado a unidade da nação.
Independentemente das circunstâncias que marcaram a vinda da família real, verdade é que o espírito
português terminou produzindo
efeitos mais importantes e mais duradouros que espanhóis, holandeses
e franceses nas Américas.
As leis portuguesas -embora geradas centenas de anos antes- continuaram em vigor para só serem
afastadas definitivamente, no âmbito do direito comum, com a vigência
do Código Civil, em 1917 -quando
revogado o que remanescia das antigas ordenações do reino.
Passados 200 anos, percebe-se
que só Portugal alcançou êxito tão
grande em sua política de colonização na América. Estendeu nossas
fronteiras até os Andes. Transmitiu-nos seu idioma. O Brasil continental
nasceu com os portugueses.
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