São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2000


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HABITAÇÃO
Conjunto habitacional para 40 mil pessoas começou a ser construído sem autorização ambiental
Obra de Garotinho ameaça meio ambiente

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Iara do Carmo Souza, líder dos sem-teto que invadiram o terreno há dois anos, na área onde está sendo construído o Novo Sepetiba


JACQUELINE FARID
da Sucursal do Rio

O governo do Rio de Janeiro iniciou a construção, sem licença ambiental, de um megaconjunto habitacional, projetado para abrigar 40 mil pessoas.
O governo Anthony Garotinho (PDT), que vem enfrentando problemas de poluição nas praias e lagoas da cidade, projetou a obra em Sepetiba (zona oeste), onde 10 mil casas vão ocupar uma área de 3,3 milhões de m2.
O empreendimento não foi autorizado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente. A população prevista para se instalar no conjunto habitacional Nova Sepetiba é maior que a de 40% dos 92 municípios do Estado do Rio.
O licenciamento é exigido pelas legislações federal e estadual para empreendimentos que vão provocar impacto nos recursos naturais ou alterar a saúde, a segurança e o bem-estar da população no local onde serão implantados.
A licença ambiental é obrigatória no caso do Nova Sepetiba, segundo o vice-presidente da Feema (Fundação Estadual do Meio Ambiente), Paulo Pizao. O não-cumprimento dessa exigência pode levar ao pagamento de multa (estipulada de acordo com o caso) ou à interdição da obra.
Os números superlativos do Nova Sepetiba estão à altura da importância da obra para o governo Garotinho. Dos R$ 350 milhões que serão deslocados em recursos do governo estadual para a habitação até 2002, R$ 110 milhões, ou um terço do total, vão para esse projeto.
O programa habitacional do governador, nomeado "Morar Feliz", prevê a construção de 100 mil casas em quatro anos em todo o Estado e investimentos de R$ 1,3 bilhão, sendo R$ 1 bilhão da Caixa Econômica Federal. O conjunto de Nova Sepetiba deve receber 10% desse total.
"É o maior conjunto habitacional da América Latina", diz o presidente da Cehab (Companhia Estadual de Habitação), Eduardo Cunha, dando a dimensão do potencial publicitário da obra, que já é destaque nos anúncios veiculados pelo governo.
A euforia de Cunha não confere com os dados da Cohab-SP (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). O maior conjunto habitacional da empresa, o de Itaquera, na zona leste de São Paulo, tem 21.080 unidades habitacionais (entre casas e apartamentos) e população estimada em 105 mil pessoas.
Procurado na sexta-feira, Cunha disse que o licenciamento ambiental não é obrigatório, e que a avaliação do impacto no meio ambiente foi feita por uma equipe da Cehab. Ontem, ele reviu a posição e afirmou que o licenciamento será solicitado à Feema em 15 dias (veja texto ao lado).
Antes de obter a licença, no entanto, o Estado já iniciou a construção de 2.577 casas (de 29,81 m2, com quarto, sala, banheiro e cozinha), após concluir processos de licitações para investimentos de R$ 23 milhões.
O contrato da primeira licitação, para 1.300 casas, no valor de R$ 10 milhões, foi assinado em 18 de janeiro. O contrato da segunda licitação, no valor de R$ 13 milhões, para 1.277 casas, ocorreu em 15 de fevereiro. Em ambos, a construtora é a Grande Piso, do Paraná. Uma nova licitação, para 1.347 casas, acontece em abril.
A expectativa é entregar 700 casas em abril e 600 em junho. A Cehab espera inaugurar até o final do ano 5.247 unidades, ocupando uma área de 1,3 milhão de m2 do terreno. As 10 mil casas deverão estar concluídas em 2002.
O projeto prevê ainda equipamentos comunitários, como um posto médico, um posto policial, cinco creches, quatro escolas e um terminal rodoviário na estrada de Sepetiba, onde está localizado o conjunto habitacional.
O superintendente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) no Rio, Carlos Henrique Abreu Mendes, disse que a falta de licença prévia de um órgão de fiscalização (no caso a Feema, órgão ligado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente) pode levar ao embargo da obra.
Esse embargo poderá ser exigido pela própria Feema, que obrigatoriamente deveria ter sido formalmente consultada sobre o projeto, ou até mesmo pelo Ibama, desde que o órgão federal receba uma denúncia de terceiros e não obtenha resposta à solicitação de explicações do Estado.
Mendes estima que as 40 mil pessoas que vão viver no Nova Sepetiba vão produzir um mínimo de 6 milhões de litros de esgoto a cada dia. Segundo ele, esse número, por si só, determina a necessidade de fiscalização.
A avaliação realizada pelo corpo técnico da Cehab, ainda segundo o técnico do Ibama, não elimina a necessidade do licenciamento prévio. Além disso, afirma, as obras devem ser interrompidas enquanto não há licença.
O Nova Sepetiba foi projetado, inicialmente, para abrigar 240 famílias de sem-teto que invadiram o terreno da Cehab há dois anos e 1.200 famílias que estão no acampamento de Tinguí, em Campo Grande (zona oeste).
Cerca de 40% das casas (ou 4.000) serão doadas para famílias que vivem em áreas de risco ou em situação precária. E 6.000 serão financiadas pela Cehab em parceria com a CEF.
O conjunto foi dividido em 1 e 2, com as duas partes separadas pela estrada de Sepetiba. Para o conjunto 2, estão sendo cadastrados policiais civis, militares e bombeiros, que poderão adquirir uma casa com quarto, sala, cozinha e banheiro no valor de R$ 15 mil.


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