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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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CRIME ORGANIZADO

Secretária Nacional de Justiça, Claudia Chagas, diz que medida permite maior controle de presos mais perigosos

União só dará verba para presídio pequeno

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal quer modificar a gestão do sistema penitenciário em todo o país.
A secretária nacional de Justiça, Claudia Chagas, 39, diz que projetos estaduais só receberão dinheiro de Brasília se estiverem de acordo com as mudanças.
Integrante da equipe do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Claudia Chagas falou à Folha na última quinta-feira.
Pregou o fim dos grandes complexos penitenciários. Disse que presídios pequenos facilitam o controle de bandidos de alta periculosidade.
A política do governo Lula para o setor penitenciário estimulará, segundo ela, a aplicação de penas alternativas, a inserção dos presidiários em programas como o "Primeiro Emprego" e a implantação de cinco presídios federais.
   

Folha - O que dá mais trabalho na gestão do sistema penitenciário?
Cláudia Chagas
- Conseguir a parceria dos Estados, fazer com que invistam. A queixa é sempre a mesma: que não têm dinheiro para investir nem nas coisas deles, quanto mais em preso. Com as verbas do Fundo Penitenciário, a gente [o governo federal] entra com uma parte ou até com todo o dinheiro para construir os presídios, para equipá-los. Mas quem não estiver dentro do novo modelo, das novas regras, não vai mais receber recursos.

Folha - Como é o novo modelo?
Chagas
- Não vai mais sair daqui dinheiro para [a construção de] presídio que não tenha sala de aula, local adequado para visitas, para encontro entre o preso e seu advogado. Não vamos mais financiar complexos. Todo mundo fala em endurecimento. Temos que endurecer, mas precisamos selecionar os casos. Colocar uma pessoa que roubou um toca-fitas e que não tenha antecedentes criminais junto com traficantes só irá torná-lo mais propenso a cometer crimes. Ele sairá da cadeia pior do que entrou.
A futura penitenciária federal vai abrigar 200 presos, divididos em grupos de 50 que quase não terão ligação um com o outro. É um avanço no combate ao crime organizado. Quebra a rede. A capacidade de controle sobre o preso de alta periculosidade é bem maior. Não há país no mundo que tenha resolvido seu problema de segurança apenas prendendo.
Por um lado, você tem Fernandinho Beira-Mar, o PCC... Esses não têm jeito. Precisam de controle total. Mas 90% da população carcerária tem perfil diferente. Precisa de ressocialização. E o sistema [penitenciário] não está pronto para isso.

Folha - Qual é a proposta para esse segundo grupo?
Chagas
- Investir na progressão do regime e em penas alternativas. Não estou falando de distribuição de cestas básicas, que é o que todo mundo pensa.
Temos convênios assinados com quase todos os Estados, garantindo uma estrutura -com assistente social, juiz e promotor-, financiada pelo Fundo Penitenciário, para viabilizar a aplicação das penas alternativas, como serviços comunitários, limitações de finais de semana...
Pena alternativa não está errado, não é impunidade. Quando levam o toca-fitas do seu carro, quando furtam sua casa -e isso já aconteceu comigo-, você xinga, tudo o que você quer é que a pessoa seja presa. Mas esse sentimento não pode se sobrepor à necessidade de recuperar o preso.
A gente precisa se lembrar de que, cumpridos dois terços da pena, ele vai voltar à sociedade. Então, precisamos trabalhar na progressão do regime. Matou a mulher? Vai para a cadeia. Mas a partir daí temos que prepará-lo para o dia da volta.

Folha - Esse trabalho existe hoje?
Chagas
- Acho que não. A sociedade não quer, o Estado não investe. Preso não é um tema popular. Nós vamos prender, sim, mas vamos selecionar, mudar a gestão dos presídios, dar educação, saúde, inserir o preso em uma atividade laboral. E não estou falando de ficar costurando bola, um trabalho que ele dificilmente vai achar quando sair da penitenciária, nem de atividade agrícola para os que vierem de regiões em que não poderão fazer isso quando retornarem à sociedade. Faremos levantamento sobre as empresas e organizações que querem receber esse tipo de profissional.
A participação do Estado no sistema penitenciário tem que ser diferente, não pode se limitar a tirar o preso de circulação. O preso dever ser inserido nas políticas públicas, tem que estar no programa Primeiro Emprego, no projeto do Ministério da Educação para combater o analfabetismo, no atendimento da rede SUS [Sistema Único de Saúde] -já existe uma portaria assinada e técnicos trabalhando para implantar esse tipo de assistência. Se as coisas continuarem do jeito que estão, sem um controle rígido da liberação dos recursos, eu não vou dizer que estamos jogando dinheiro fora, mas o sistema carcerário seguirá o mesmo.

Folha - Como está a receptividade dos Estados a isso?
Chagas
- Eles estão preocupados com a questão da segurança, querem firmar convênios. Mas ainda não conseguimos sensibilizá-los para a importância de fazer seus próprios investimentos. Todo mundo só quer que o Estado prenda.
Nosso foco -é óbvio que nos casos em que isso for possível- será buscar penas alternativas. E isso também nos ajuda a resolver o problema da superlotação. Em São Paulo, nos dois primeiros meses do ano, foram presas 3.400 pessoas. Já pensou quantas penitenciárias teríamos que construir para abrigá-las?

Folha - Quando começará a ser construída a penitenciária federal?
Chagas
- Estamos acertando os últimos detalhes para construir esse primeiro prédio. Teremos quatro outros presídios federais. Isso não significa necessariamente que vamos construí-los.
Podemos federalizar penitenciárias com a concordância dos Estados. Nossa idéia era começar por Bangu 1 [no Rio de Janeiro], mas não houve acordo com o governo estadual. Enfim, serão prédios para presos de alta periculosidade. Isso [presos sob custódia federal] ajudará no combate ao crime organizado porque quebrará as cadeias das quadrilhas, isolará o preso.


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