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SAÚDE
Auditoria inédita do TCU aponta que desorganização e falta de segurança facilitam fraudes na fila de espera por um órgão
Lista de transplantes, na prática, não existe
MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Auditoria do Tribunal de Contas da União aponta que o sistema
nacional de transplantes é extremamente sujeito a fraudes, podendo ser facilmente alterada a
ordem de inscrição de pacientes
na lista de espera de um órgão.
Nas centrais estaduais, há desorganização e falta de segurança
nos sistemas de informática. Não
há explicação, por exemplo, por
que doentes que constam nos primeiros lugares da lista não foram
chamados para o transplante.
Na prática, a auditoria inédita
do TCU comprova o que até então era suspeita de muitos especialistas do setor de saúde e pacientes: a lista nacional de transplantes, prevista pelo decreto
2.268, de junho de 1997, na prática, não existe. Ou seja: as centrais
de transplantes dos Estados não
se comunicam e também não passam informações adequadamente a quem controla o sistema, o
Ministério da Saúde.
O trabalho, ao qual a Folha teve
acesso, foi aprovado por unanimidade na última quarta e é relatado pelo ministro Marcos Vilaça.
Esperam um transplante 62.785
doentes (dado de maio de 2005),
mas o TCU concluiu que a eficácia
do Programa Doação, Captação e
Transplante de Órgãos e Tecidos
está seriamente comprometida.
O programa nacional de transplante consome mais de R$ 400
milhões dos cofres públicos por
ano e o objetivo é exatamente minimizar o tempo de espera dos
pacientes na fila com a integração
entre as centrais. O SUS financia
todos os tipos de transplante no
Brasil, hoje o país que detém o
maior sistema público de transplantes do mundo.
"Cada vez que o telefone toca,
penso que chegou a minha vez",
diz o aposentado Aguinailton Ribeiro de Souza, 45, há 11 anos na
fila do transplante de rim em São
Paulo. Ele utiliza ônibus, trem e
metrô para se submeter a sessões
de diálise, dia sim, dia não, em
uma clínica a 33 km da sua casa.
A auditoria mostrou que nas 22
centrais estaduais e nas 8 regionais, os sistemas de informação
são incompatíveis, o que impede
a existência da lista única. O alerta
sobre o problema já tinha sido feito por gestores do programa em
2000. A coordenação do programa procurou, então, desenvolver
um software moderno e único,
que era usado em São Paulo. Após
mais de cinco anos, o sistema ainda está em teste nos Estados.
Por causa dessa incompatibilidade, caso haja um órgão que não
tenha um receptor no Rio de Janeiro, por exemplo, outras centrais não ficarão sabendo.
Em 2005, a família do garoto
Antonio, que morreu aos 9 anos,
não conseguiu doar o coração do
menino em razão da confusão entre as centrais. A morte ocorreu
no Rio. A central não tinha receptor para o órgão e também não
houve comunicação para oferecê-lo a outros Estados.
A equipe de auditoria solicitou à
Central Nacional de Notificação,
Captação e Doação de Órgãos dados sobre os receptores da lista
nacional. Resposta: não estavam
consolidados ou disponíveis. Os
dados tiveram que ser colhidos.
Apenas 15 centrais estaduais enviaram as respostas. Ainda assim,
com atraso, erros, dados incompletos ou falta de endereços. Houve casos em que a atualização foi
repassada por fac-símile.
Além do problema da comunicação, há o da segurança. Em quase todas as centrais, aponta o
TCU, não há registro sobre o número de funcionários que detêm
as senhas que dão acesso às listas.
As senhas não são renovadas e
podem ser facilmente descobertas
-possibilitando alterações sem
deixar pistas. Também não são
feitas cópias de segurança.
Em Brasília, por exemplo, constatou-se que o sistema "permite a
geração de listas sucessivas de seleção de receptores, ficando registrada no sistema só a última gerada". Os equipamentos, em boa
parte das centrais estaduais, não
estão protegidos em salas reservadas. Há casos de computadores
que nem sequer têm antivírus.
"Os sistemas em uso não registram os motivos pelos quais um
paciente que tenha constado nos
primeiros lugares das listas geradas para alocação de órgãos não
foi selecionado", diz o relatório.
A auditoria operacional, uma
metodologia de fiscalização importada do Reino Unido pelo
TCU, não só identifica fraudes,
mas também analisa a eficácia de
políticas públicas. No caso do
programa nacional de transplantes, o órgão afirma que "os processos, em termos de recursos
alocados e procedimentos realizados, ainda não têm sido suficientes para o atendimento das necessidades de toda a população".
Colaboraram CLÁUDIA COLLUCCI e
FABIANE LEITE, da Reportagem Local
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