São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sonho de virar Gisele atrai 230 meninas a feira no Sul

Em busca de fama, mães desfilam filhas de 4 a 25 anos em evento para modelos

Famílias fazem até serão para juntar R$ 980 e levar crianças a congresso onde serão avaliadas por olheiros de agências de modelos

Bruno Miranda/Folha Imagem
Aspirantes a modelo assistem a uma palestra durante conferência que reuniu cerca de 500 pessoas em Caxias do Sul (RS)


NINA LEMOS
ENVIADA ESPECIAL A CAXIAS DO SUL

"Uma de vocês pode ser a nova Gisele Bündchen."
A frase, proferida pelo "booker" da agência de modelos 40 Graus, Sérgio Mattos, despertou suspiros na platéia da "Conferência Internacional de Modelos", que reuniu cerca de 500 pessoas, entre aspirantes a tops e familiares em Caxias do Sul (RS) no final de semana.
Depois de pagar R$ 980, os participantes (com idades de 4 a 25 anos) passaram dois dias ouvindo palestras sobre a vida de modelos e sendo avaliados por profissionais de grandes agências, como Elite, L'Equipe, Way e a nova-iorquina One.
A imagem de Gisele foi mostrada com exaustão no telão, com a lembrança de que ela era do Sul, precisamente de Horizontina, no Paraná. E que, claro, foi descoberta pelo organizador do evento, o caça-talentos Dílson Stein, um dos mais bem-sucedidos do país.
O sonho beira a obstinação. "Vou conseguir ser modelo, acredito nisso", dizia Márcia Julia, 12, enquanto esperava a hora de ser fotografada.
Ela veio de excursão de Gravataí (RS) e dizia com orgulho que mede 1,73 m. E contava que gosta de usar salto alto desde os nove anos. Ela e as colegas não pensam duas vezes antes de dizer o que querem ser: "meu sonho é ser como a Gisele".

Minimodelos
No evento, minimodelos como Márcia passeavam de um lado para o outro se equilibrando em escarpins altos, usando calça justa e camiseta.
Enquanto desfilavam na frente dos "bookers", que as avaliaram em desfile aberto e entrevistas individuais, seus familiares beiravam a histeria.
"Bingo, aquele "booker" de São Paulo anotou o nome do meu sobrinho", gritava Comercida Johnson, que trouxe o sobrinho de 16 anos. "Me ajuda a olhar se estão anotando alguma coisa sobre ele", pedia para a reportagem da Folha.
Além de custar caro, tentar transformar uma filha em modelo envolve viagens e trabalho extra. Mas as mães acham que vale a pena. "Tenho de fazer o sacrifício para realizar o sonho dela" é a frase mais repetida.
Algumas, porém, admitem que o desejo não é exatamente das filhas. "Eu sonho muito em ter uma filha modelo", contava a doméstica Iara Rodrigues, mãe de Luciara, 12.
Elas peregrinam por vários concursos e, para isso, fazem sacrifícios financeiros. "A gente apertou as contas e parcelou o valor da conferência", revela.
Entre as participantes, poucas teriam a "sorte" de seguir carreira de modelo. "Se eu sair daqui com uma menina para trabalhar em Nova York, me dou por satisfeito", dizia Sonny Rodrigues, da agência One.
Sérgio Mattos era mais empolgado. Durante a entrevista, dizia para as que o agradavam, mas eram novas demais para o trabalho: "Você vai ser top!".
As mais novas, com menos de 15 anos, ficam sob "acompanhamento". "Anoto na ficha que elas são lindas e devem ser acompanhadas", disse Hemerson Fabiano, da agência MM, da ex-empresária de Gisele Bündchen, Mônica Monteiro.
Isso significa que a agência vai telefonar, pedir fotos e indicar que estude inglês. A principal preocupação dos "bookers" é com a altura. "Não temos garantia de que elas vão virar modelos de passarela, mas vale ficar de olho", diz Sonny.

Contrato à vista
Enquanto a maioria conversava com os agentes e depois era dispensada, algumas tinham motivo para comemorar.
"Você vai ser contratada", disse Hemerson Fabiano para a funcionária de uma fábrica de calçados Damiana Silva, 17, que ouviu o mesmo de Sérgio Mattos e foi fotografada de corpo inteiro por Luciana Silva, da Elite de Nova York.
E no caso das que não deram a mesma sorte? Os pais acham que devem continuar tentando.
"Minha filha escolheu essa profissão desde os dois anos", diz Nadia Schiwffedecker, que mora em Gravataí e peregrina com a filha de 12 anos por vários eventos de modelos. "Vou tentar realizar o sonho dela o máximo que puder", dizia, mostrando fotos da filha aos 10.
A empregada doméstica Nair Koposesku crê que sua filha Alessandra, 5, também já esteja decidida. "Ela quer ser modelo. Escolheu essa carreira", diz Nair, que penou para pagar os R$ 980. "Meu marido é operário e fez serão", conta.

Viagens
As modelos infantis podem fazer viagens para São Paulo com os pais ou até se mudar para lá. A hipótese não assusta Nair. "Se ela quiser, e aparecerem trabalhos, vamos dar um jeito de realizar seu sonho."
Além da avaliação dos "bookers", os participantes assistiram palestras sobre "assuntos de modelo", como cirurgia plástica, com direito a imagens de implantes de silicone exibidas para crianças, e nutrição.
Na platéia, crianças perguntavam o que fazer para continuar saudável e não engordar. E mães se preocupavam com a roupa com que as crianças devem ir a processos de seleção. Resposta: para as menores, tênis, mas as mais crescidas podem arriscar um saltinho.


Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Metrô e ônibus vão atrasar saída hoje
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.