São Paulo, quinta-feira, 23 de abril de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"Lá vai Candinho!"


Vinicius também pinta o sete ao dar à expressão contornos peculiares, já que ela remete à própria arte de Portinari


NA SEMANA passada, como faço há muitos anos, estive em Franca, para participar da semana literária organizada por uma instituição de ensino da cidade. Depois do avião para Ribeirão Preto, a viagem (rodoviária) para Franca se estende por quase 90 km de pura beleza. A paisagem é lindamente verde, com montanhas e vales que confirmam que se está indo em direção a... A Minas Gerais!
No meio do caminho, uma parada há muito desejada (e finalmente concretizada): a terra natal de Cândido Portinari, a cidade de Brodowski (ou Brodósqui, como se vê em alguns registros). Lá está o Museu Casa de Portinari, em que se podem ver algumas das tantas obras desse grande artista brasileiro e se podem conhecer diversos aspectos da vida de Portinari, relatados com precisão e firmeza pelo monitor Bruno. Permita-me recomendar-lhe a visita, caro leitor. Se passar pela região, vá ao museu. A alma certamente ficará grata para todo o sempre. Depois de tudo que li e vi (nas paredes dos cômodos da casa há textos de/sobre Portinari e algumas de suas impressionantes pinturas), foi-me vindo à memória e materializando-se o poema que Vinicius de Moraes dedicou ao artista ("Poema para Candinho Portinari em sua Morte Cheia de Azuis e Rosas"). "Não está exposto", confirmou Bruno.
Mas o texto ficou em mim um bom tempo, estrada para Franca afora: "Lá vai Candinho! / Pra onde ele vai? Vai pra Brodowski / Buscar seu pai. (...) Lá vai Candinho! / Com seu topete! / Vai pra Brodowski / Pintar o sete! / Lá vai Candinho / Tirando rima / Vai manquitando / Ladeira acima. / Eh! Eh, Candinho! / Muita saudade / Para Zé Cláudio / Mário de Andrade / Se vir Ovalle / Se vir Zé Lins / Fale, Candinho / Que eu sou feliz / Ouviu, Candinho? / -Diabo de homem mais surdo...". Pois o poema servirá (também) para uma conversa sobre uma abordagem feita por provas de importantes instituições do país, em que um poema como o do Poetinha poderia ensejar uma questão semelhante a esta: "Localize no texto passagens típicas da linguagem informal. Explique seu uso e diga como elas seriam empregadas no padrão formal". Entre as passagens que poderiam embasar a resposta, destaco duas. Uma é a deliciosa expressão "pintar o sete", que, como se sabe, significa "fazer diabruras ou coisas extraordinárias" ("Houaiss"). O detalhe é que, hábil no jogo com as palavras, Vinicius também pinta o sete, ao dar à expressão contornos peculiares, já que ela remete à própria arte de Portinari, a pintura, posta no poema como atividade que é também lúdica.
A outra passagem cabível é a que inclui o verbo "falar" ("Fale, Candinho / Que eu sou feliz"). Qual é a forma típica da linguagem informal? É "fale". Como diz o "Houaiss", "falar que é linguagem informal do Brasil". O "Aurélio" repete a rubrica, mas estende a observação aos cinco países lusófonos africanos.
No padrão formal, o que se usaria, então, no lugar de "fale"? Uma dica para os que conhecem outra língua (inglês, francês, italiano ou espanhol): vá pela diferença entre "say/tell" e "speak" (inglês), "dire" e "parler" (francês), "dire" e "parlare" (italiano) ou "decir" e "hablar" (espanhol). No padrão formal, usar-se-ia "diga": "Diga, Candinho / Que eu sou feliz". Nesse registro, o sinônimo de "declarar" não é "falar"; é "dizer". É isso.

inculta@uol.com.br


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