São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

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Rejeitados, sofás entulham ruas de São Paulo

Entidades beneficentes, como o Exército de Salvação, estão abarrotadas de estofados e não aceitam doações

RICARDO WESTIN
DE SÃO PAULO

Eles foram desovados nas esquinas. Por alguma razão, não são mais bem-vindos na sala de estar: estão carcomidos, quebraram ou simplesmente saíram de moda.
Da periferia aos bairros ricos, os sofás abandonados proliferam em São Paulo.
No Pacaembu (zona oeste), um sofá preto jaz de cabeça para baixo diante de um muro. Numa praça da Mooca (zona leste), um três-lugares chamuscado resistiu a uma tentativa de incêndio.
No Glicério (região central), um morador de rua prefere o chão ao sofá bem ao lado, encardido, molhado de chuva e malcheiroso. Em dias de tempestade, sofás são vistos boiando nas ruas, arrastados pelas enxurradas.
Os caminhões da prefeitura recolhem algo em torno de 10 mil sofás por ano das ruas de São Paulo -uma média de 27 a cada dia. O destino é um aterro sanitário de entulhos no limite com Guarulhos.
Na realidade, o número de sofás indesejados é maior, já que as estimativas oficiais não contabilizam aqueles que são resgatados por carroceiros ou aproveitados por moradores de rua.
As famílias estão se livrando dos velhos sofás porque nunca foi tão fácil comprar um novo. Nas grandes lojas, os preços agradam ao consumismo da crescente classe média. Um conjunto de dois e três lugares sai por R$ 350 -em 24 parcelas e a primeira só em agosto. O frete é grátis.

COPA E SOFÁ NOVO
"As pessoas têm mania de grandeza, estão sempre desejando um sofá melhor", lamenta a vendedora Gina Soares, 47, ao ver um sofá largado numa calçada da Liberdade (região central).
E dá dois chutinhos nele: "Tem muita madeira dentro, vê? É coisa boa. Não precisaria ser jogado fora. Se eu pudesse, levaria para casa, trocaria o tecido e pronto".
O consumo de sofás costuma explodir em fim de ano -com o 13º salário- e justamente agora, véspera de Copa do Mundo -quando as famílias adquirem TVs novas e, embaladas, acabam trocando a sala toda.
Até mesmo as entidades beneficentes, que sempre foram o destino certo de móveis usados, já estão abarrotadas de estofados.
O Exército de Salvação continua aceitando camas, mesas, eletrodomésticos e roupas, mas há alguns meses viu-se obrigado a suspender o recolhimento de sofás.
As Casas André Luiz, por sua vez, agora só aceitam se a oferta é de um conjunto de dois e três lugares. O sofá avulso não é bem-vindo desde a virada do ano.
"Quase chegamos ao colapso no Natal. Não tínhamos mais onde colocar tanto sofá doado", lembra Cecília Lucchesi, supervisora de doações das Casas André Luiz. "O sofá virou o nosso elefante branco."

FALTA DE EDUCAÇÃO
Na segunda-feira passada, a Folha viu um dois-lugares marrom obstruindo a entrada de uma loja de móveis usados na Bela Vista (região central). Havia sido largado ali na calada da noite.
"Era só o que me faltava", praguejou o vendedor enquanto arrastava o móvel para poder abrir a loja naquela manhã. "Quem vai querer comprar isso aqui?"
Para a prefeitura, as pessoas que despejam os sofás nas ruas desconhecem a Operação Cata-Bagulho.
Aos sábados, caminhões percorrem diferentes bairros recolhendo "objetos inservíveis". Para saber a agenda, basta telefonar para 156.
"Além da desinformação, existe muita falta de educação", diz Evaldo Gomes, do setor de limpeza da Subprefeitura da Sé (região central). "Quando põem esse tipo de lixo fora de casa, as pessoas acham que estão resolvendo um problema. Na realidade, estão criando um problema."


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