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Rejeitados, sofás entulham ruas de São Paulo
Entidades beneficentes, como o Exército de Salvação, estão abarrotadas de estofados e não aceitam doações
RICARDO WESTIN
DE SÃO PAULO
Eles foram desovados nas
esquinas. Por alguma razão,
não são mais bem-vindos na
sala de estar: estão carcomidos, quebraram ou simplesmente saíram de moda.
Da periferia aos bairros ricos, os sofás abandonados
proliferam em São Paulo.
No Pacaembu (zona oeste), um sofá preto jaz de cabeça para baixo diante de um
muro. Numa praça da Mooca
(zona leste), um três-lugares
chamuscado resistiu a uma
tentativa de incêndio.
No Glicério (região central), um morador de rua prefere o chão ao sofá bem ao lado, encardido, molhado de
chuva e malcheiroso. Em
dias de tempestade, sofás
são vistos boiando nas ruas,
arrastados pelas enxurradas.
Os caminhões da prefeitura recolhem algo em torno de
10 mil sofás por ano das ruas
de São Paulo -uma média de
27 a cada dia. O destino é um
aterro sanitário de entulhos
no limite com Guarulhos.
Na realidade, o número de
sofás indesejados é maior, já
que as estimativas oficiais
não contabilizam aqueles
que são resgatados por carroceiros ou aproveitados por
moradores de rua.
As famílias estão se livrando dos velhos sofás porque
nunca foi tão fácil comprar
um novo. Nas grandes lojas,
os preços agradam ao consumismo da crescente classe
média. Um conjunto de dois
e três lugares sai por R$ 350
-em 24 parcelas e a primeira
só em agosto. O frete é grátis.
COPA E SOFÁ NOVO
"As pessoas têm mania de
grandeza, estão sempre desejando um sofá melhor", lamenta a vendedora Gina Soares, 47, ao ver um sofá largado numa calçada da Liberdade (região central).
E dá dois chutinhos nele:
"Tem muita madeira dentro,
vê? É coisa boa. Não precisaria ser jogado fora. Se eu pudesse, levaria para casa, trocaria o tecido e pronto".
O consumo de sofás costuma explodir em fim de ano
-com o 13º salário- e justamente agora, véspera de Copa do Mundo -quando as famílias adquirem TVs novas e,
embaladas, acabam trocando a sala toda.
Até mesmo as entidades
beneficentes, que sempre foram o destino certo de móveis usados, já estão abarrotadas de estofados.
O Exército de Salvação
continua aceitando camas,
mesas, eletrodomésticos e
roupas, mas há alguns meses
viu-se obrigado a suspender
o recolhimento de sofás.
As Casas André Luiz, por
sua vez, agora só aceitam se a
oferta é de um conjunto de
dois e três lugares. O sofá
avulso não é bem-vindo desde a virada do ano.
"Quase chegamos ao colapso no Natal. Não tínhamos mais onde colocar tanto
sofá doado", lembra Cecília
Lucchesi, supervisora de
doações das Casas André
Luiz. "O sofá virou o nosso
elefante branco."
FALTA DE EDUCAÇÃO
Na segunda-feira passada,
a Folha viu um dois-lugares
marrom obstruindo a entrada de uma loja de móveis
usados na Bela Vista (região
central). Havia sido largado
ali na calada da noite.
"Era só o que me faltava",
praguejou o vendedor enquanto arrastava o móvel para poder abrir a loja naquela
manhã. "Quem vai querer
comprar isso aqui?"
Para a prefeitura, as pessoas que despejam os sofás
nas ruas desconhecem a
Operação Cata-Bagulho.
Aos sábados, caminhões
percorrem diferentes bairros
recolhendo "objetos inservíveis". Para saber a agenda,
basta telefonar para 156.
"Além da desinformação,
existe muita falta de educação", diz Evaldo Gomes, do
setor de limpeza da Subprefeitura da Sé (região central).
"Quando põem esse tipo de
lixo fora de casa, as pessoas
acham que estão resolvendo
um problema. Na realidade,
estão criando um problema."
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