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OCUPAÇÃO ASIÁTICA
Comunidade é integrada por 17 imigrantes, donos de 3 pastelarias nos melhores pontos da favela carioca
Chineses invadem "área nobre" da Rocinha
ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO
Alunos da quarta série do ensino fundamental de uma escola
particular da Rocinha conversam
sobre astrologia. A professora
pergunta o signo de cada um. As
crianças riem quando o mais calado de todos responde "dragão".
A resposta veio de Chen Canhong, 15, um dos 17 imigrantes
que formam a pequena e inusitada comunidade chinesa na Rocinha, a maior e a mais nordestina
das favelas do Rio.
Os chineses, à exceção das
crianças que estão na escola, mal
falam o português. Mas já controlam três pastelarias com nomes
bem cariocas nos melhores pontos da Rocinha, a Via Ápia e o Largo do Boiadeiro.
A simples presença de Chen e
sua irmã, Peimei, 9, alterou a rotina das suas turmas. "Depois de
explicar para os colegas, curiosos,
o que é o horóscopo chinês, Chen
se sentiu mais importante e passou a se soltar mais", conta a professora Kátia Cristina Alves de
Oliveira, 23, do Instituto Metodista Suzana Wesley. As aulas passaram a englobar também a comparação de culturas, de costumes e
de tradições.
Na comparação, a China ainda
ganha para Chen, que diz preferir
a vida que levava lá, no campo.
Mas a opinião é logo abrandada
pelos seus novos prazeres no Rio.
A relutância inicial em participar
das aulas de educação física na escola se transformou numa verdadeira paixão pelo futebol. Além
das peladas na praia de São Conrado, Chen treina semanalmente no Flamengo.
McChina
A pequena rede de pastelarias ficou conhecida como McChina,
apelido alimentado por um boato. Durante as obras no armazém
que cedeu lugar à pastelaria mais
antiga dali, a do Largo do Boiadeiro, que completa um ano mês que
vem, falava-se na vinda de uma filial do McDonald's.
Após a reforma, surgiu a lanchonete de Chan Canhong, 42, o
pai de Chen e Peimei. Três meses
depois, Canhong inaugurou outra
lanchonete, 24 horas, batizada de
Zuzu Angel. Menos tempo ainda
se passou até um conterrâneo
-que só se identifica como
Ruan- abrir uma igual até nos
detalhes da decoração.
Um quarto imigrante chinês enveredou pelo mesmo caminho este ano, mas fechou em menos de
três meses, contam os moradores.
Provavelmente sucumbiu à concorrência, já que os quatro estabelecimentos não têm nem 200 metros de distância entre si.
A onda de investimentos asiáticos deu um tempo, mas a competição internacional afetou boa
parte dos comerciantes do mesmo ramo. A primeira pastelaria
começou vendendo um pastel e
um suco por R$ 0,50.
Dona Beth, proprietária há 25
anos de uma pastelaria vizinha à
dos chineses, no Largo do Boiadeiro, diz que quase faliu. Pediu a
ajuda da irmã para vender tortas e
empadões e tentar segurar a freguesia mais escassa. A estratégia
funcionou até certo ponto. Dona
Beth está convencida de que nunca mais terá o volume de vendas
anterior à chegada dos chineses.
Canhong não cita números,
mas o movimento não nega: o negócio vai muito bem. Não é à toa
que não pretende sair dali. "Vou
ficar direto. Aqui bom. China
ruim", resume, quase enrubescendo, depois de ceder à insistência da reportagem.
O vendedor de rua Carlito Vieira Silva se diz um fã. Come pelo
menos dois pastéis por dia. "Aqui
tem muito paraibano, pernambucano e cearense, quando chegou
um monte de chinês (sic) falando
chinês, foi muito diferente, né?",
diz ele, um cearense com 15 anos
de Rocinha.
Chan Canhong mora com a
mulher, os dois filhos, a cunhada,
o concunhado e os dois filhos
num apartamento em cima da
pastelaria principal.
Ele chegou pela primeira vez ao
Brasil há 20 anos, depois dos pais.
O resto da família veio há seis
anos, voltou para a China e retornou há cerca de três meses, direto
para a Rocinha.
A idéia de se mudar para a favela surgiu com a sugestão do corretor Lauro Lemos.
Chan queria vender a pastelaria
da praça da Bandeira (zona norte)
e ir para um ponto melhor. Levantados os dados sócio-econômicos do bairro, onde já há 1.350
estabelecimentos comerciais,
Chan concordou.
Uma loja no Largo do Boiadeiro
não sai por menos de R$ 80 mil,
segundo informações do mercado imobiliário local. Segundo Lemos, os chineses poderiam estar
em bons pontos em outros bairros mais nobres do Rio.
A família Canhong veio de Cantão, cidade que leva o mesmo nome da província localizada no sul
da República Popular da China,
próxima a Hong Kong. Falam o
cantonês e levavam uma vida
agrária antes de vir para o Brasil.
Chan diz querer tirar a cidadania brasileira, objetivo do qual estará longe enquanto não tiver
fluência no português, por se tratar de um pré-requisito do Estatuto do Estrangeiro.
Enquanto isso, Chan, sua família e os empregados vão se entendendo por meio de mímica, e de
uma mistura do chinês com português. "Já entendo chinês", arrisca um funcionário da pastelaria.
"E como é pastel?", quer saber a
repórter. "Passitel", solta.
Associação
No Rio de Janeiro, boa parte da
comunidade se reúne através da
Associação Cultural Chinesa do
Rio, que possui cerca de mil integrantes cadastrados. Os eventos
mais marcantes são a comemoração do ano novo chinês, que geralmente coincide com o calendário do Carnaval, e o dia da independência, que é celebrado em 1º
de outubro.
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