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GILBERTO DIMENSTEIN
O problema de São Paulo não é corrupção, mas ingratidão
O Ministério Público de
São Paulo denunciou, na semana passada, servidores municipais que exploravam defuntos.
A polícia coletou provas de que
a quadrilha cobrava pedágios dos
jardineiros credenciados para
conservar os túmulos e exigia propina dos familiares para que os
corpos não fossem exumados; as
covas são temporárias e, passados
três anos, a exumação deveria ser
obrigatória.
Não consigo ver melhor síntese
do caos público paulistano do que
um esquema de roubalheira para
faturar nos cemitérios - imaginava que, pelo menos ali, se pudesse descansar em paz.
Chegamos, literalmente, ao fundo da cova.
O fundo da cova é visível na pesquisa divulgada, também semana passada, do prestígio do prefeito Celso Pitta.
Em seu último ano de mandato,
ele é reprovado por 78% dos entrevistados.
Num sinal de desespero, o ex-padrinho de Pitta, Paulo Maluf,
lançou uma insólita campanha a
favor da pena de morte, tema tão
próximo da agenda municipal
como as eleições presidenciais
americanas ou a Aids na África.
No começo do mês, ele prometeu, ar compenetrado: em quatro
anos de mandato, reduziria a tal
ponto a criminalidade que São
Paulo se igualaria a Nova York.
O delírio é constatável apenas
por uma informação. Em Nova
York, duas pessoas são assassinadas por semana; em São Paulo,
110. Mesmo que fosse governador,
responsável pela Polícia Militar, a
promessa já seria alucinada; imagine, então, sendo apenas prefeito.
Nem o extermínio seria capaz
de reduzir a tal nível a criminalidade. Por sinal, a julgar pelas informações, o extermínio já existe:
boa parte dos mortos em enfrentamento com a polícia foi baleada
pelas costas.
Espantoso que, apesar de responsável pela vitória de Pitta e,
agora, com promessas de campanhas descoladas de qualquer realidade, Paulo Maluf ainda seja
um candidato fortíssimo, oscilando entre o segundo e o terceiro lugar.
O leitor habitual desta coluna
sabe que sou otimista em relação
a São Paulo - mais pela vitalidade e cosmopolitismo de seus
habitantes, a criatividade empresarial, acadêmica e cultural do
que pela ação do poder público.
Digo, e repito, que esse fervilhar,
com tanta gente interessante fazendo tantas coisas interessantes,
transforma São Paulo na cidade
mais atraente do país.
Há um abismo entre a efervescência da sociedade e o poder público que, hoje, nem é poder, nem
é público.
Os candidatos na disputa à prefeitura podem ser melhores ou
piores; mais honestos ou menos
honestos, com mais ou menos experiência, com melhores ou piores
idéias, com planos menos ou mais
viáveis.
Mas neste início de campanha
já se pode afirmar: diante do tamanho do desafio de uma cidade
no fundo da cova, os candidatos
se igualam num ponto. Todos,
sem exceção, são de segundo escalão, não demonstram estar à altura do monumental desafio. Um
desafio que vai exigir do eleito
uma articulação com a sociedade, atraindo seus principais atores para uma ação comunitária,
integração com as várias esferas
de poder (estadual e municipal)
para reduzir a violência e a exclusão social, visão cosmopolita para
reforçar a vocação de São Paulo
como cidade internacional.
Coragem para brigar com a
classe média e tirar os carros da
rua e força para dobrar os esquemas corruptos da Câmara Municipal, mostrando aos especuladores imobiliários que não somos
terra de ninguém.
Exige um estadista, para quem
ser prefeito de São Paulo é a
maior meta, não um trampolim
para outro cargo público.
É um cargo para quem tenha
soluções técnicas, mas, em especial, para quem seja apaixonado
pela cidade.
Precisamos de alguém que tenha a criatividade urbana de um
Jaime Lerner, disposição para briga de um Antônio Carlos Magalhães, firmeza de Mário Covas,
sensibilidade social de Lula, garra
de Ciro Gomes e equilíbrio de Fernando Henrique Cardoso.
Talvez digam que esse perfil seja
alucinação, não existe na vida
real, delírio semelhante ao das
promessas de Paulo Maluf de
igualar São Paulo a Nova York.
Talvez, provavelmente. Os candidatos em disputa oscilam entre
o descrédito das elites pensantes,
a falta de expressão política, a
baixa experiência administrativa
e a pouca vivência em assuntos
municipais.
Até nos conformamos pela simples razão de que, comparado ao
que temos, qualquer coisa parece
melhor.
Justamente por isso, e só por isso, a Prefeitura de São Paulo é o
cargo vago mais importante do
Brasil.
Seja qual for o eleito, de direita
ou de esquerda, sua primeira tarefa deveria ser formar um comitê
de salvação municipal, com as
personalidades mais expressivas
da cidade, de empresários, intelectuais, artistas, urbanistas a líderes sindicais.
É um jeito de tirar o pé da cova.
PS- O problema moral básico de
São Paulo não é corrupção, mas
ingratidão. Incrível que, nesta
terra de migrantes e imigrantes,
tanta gente tenha prosperado,
enriquecido, e não se sinta grata à
cidade, virando-lhe as costas e
transformando-a quase num dormitório.
Minha história é parecida à história de milhões de paulistanos.
Como neto de imigrantes europeus e da África do Norte, fugidos
da opressão, e filho de migrantes
nordestinos, em busca de melhores possibilidades profissionais,
inevitável me sentir grato ao Brasil e a São Paulo - fora desses espaços, provavelmente não teria as
chances que tive.
Talvez não tivesse nenhuma
chance.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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