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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Nau sem rumo do direito internacional

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A morte do diplomata Vieira de Mello, a ineficácia dos meios para impedir que a tragédia ocorresse, denunciada vigorosamente pelo secretário-geral da ONU, os atentados contra as forças de ocupação do Iraque, o terrorismo palestino e a violenta reação dos helicópteros israelenses fazem aumentar as preocupações do mundo jurídico pelo desrespeito às leis e aos tratados internacionais.
Os dias atuais propõem dois problemas cujos efeitos se estenderão pelos próximos decênios, mas cujo enfrentamento é urgente. A história mostra que a força bruta não substitui permanentemente o direito. A ONU enfraquecida pelo desprezo a seu Conselho de Segurança e a insuficiência evidente de velhas regras do direito internacional, de suas convenções sobre o destino dos países ocupados e de seus cidadãos, estimulam a desconfiança no futuro. Parece que a situação se deteriora rapidamente, a julgar pelos fatos da semana.
Ao lado da violência e do desrespeito, confunde-nos a complexidade de alternativas contraditórias. Há países que possuem as armas de destruição em massa, mas só alguns são "do mal". O Paquistão, uma ditadura com forças atômicas, é provisoriamente considerado "do bem". A China, com mais de 1 bilhão de habitantes, governo não-democrático, provida de armas de destruição, não é nem "do bem" nem "do mal": o comércio com ela é tão importante que não pode ser mudado com base em meras alegações morais. Cidadãos da Arábia Saudita predominaram no ataque ao World Trade Center, mas seus príncipes têm feito de tudo para parecerem "do bem".
A igualdade de tratamento das nações está clara no direito internacional e na Carta da ONU, mas saiu pelo ralo. Sumiu, se é que algum dia existiu. O preâmbulo da Carta afirma a determinação de suas signatárias em estabelecer "condições sob as quais sejam mantidos a justiça e o respeito por obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional". Contra esse princípio, a administração Bush proclamou a unilateralidade de suas decisões e teve força armada e econômica para impor sua vontade, contra a resistência da ONU. O texto básico das Nações Unidas, a respeito das relações jurídicas entre os países, chega a parecer ridículo. Recomenda a prática da tolerância, a vida conjunta em paz entre todos, como vizinhos, com base na aceitação de princípios e a utilização de métodos sem uso da força, salvo no interesse comum, reconhecido pelo Conselho de Segurança.
A propósito, a revista "Time" perguntava antes do ataque ao Iraque: "Se é perigoso ver ditadores impiedosos desenvolverem arsenais mortíferos, por que atacar o Iraque, mas não a Coréia do Norte? Se o povo iraquiano merece viver em um Estado livre e democrático, por que não garantir o mesmo ao povo saudita? Se os Estados Unidos estão desejosos de pagar o preço para derrubar Saddam, pagarão também o preço de limpar a vizinhança dele?". A verdade dos fatos mostra que o mau uso dessa moralidade suposta, além das mentiras já reveladas, põe a claro o despreparo dos dominadores para o que aconteceu após a ocupação. Está na hora de corrigir a rota adotada e de voltar, ainda que em parte, para os caminhos do direito.


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