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LETRAS JURÍDICAS
Nau sem rumo do direito internacional
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A morte do diplomata
Vieira de Mello, a ineficácia dos meios para impedir que a
tragédia ocorresse, denunciada
vigorosamente pelo secretário-geral da ONU, os atentados contra
as forças de ocupação do Iraque,
o terrorismo palestino e a violenta reação dos helicópteros israelenses fazem aumentar as preocupações do mundo jurídico pelo
desrespeito às leis e aos tratados
internacionais.
Os dias atuais propõem dois
problemas cujos efeitos se estenderão pelos próximos decênios,
mas cujo enfrentamento é urgente. A história mostra que a força
bruta não substitui permanentemente o direito. A ONU enfraquecida pelo desprezo a seu Conselho
de Segurança e a insuficiência
evidente de velhas regras do direito internacional, de suas convenções sobre o destino dos países
ocupados e de seus cidadãos, estimulam a desconfiança no futuro.
Parece que a situação se deteriora
rapidamente, a julgar pelos fatos
da semana.
Ao lado da violência e do desrespeito, confunde-nos a complexidade de alternativas contraditórias. Há países que possuem as
armas de destruição em massa,
mas só alguns são "do mal". O
Paquistão, uma ditadura com
forças atômicas, é provisoriamente considerado "do bem". A China, com mais de 1 bilhão de habitantes, governo não-democrático,
provida de armas de destruição,
não é nem "do bem" nem "do
mal": o comércio com ela é tão
importante que não pode ser mudado com base em meras alegações morais. Cidadãos da Arábia
Saudita predominaram no ataque ao World Trade Center, mas
seus príncipes têm feito de tudo
para parecerem "do bem".
A igualdade de tratamento das
nações está clara no direito internacional e na Carta da ONU, mas
saiu pelo ralo. Sumiu, se é que algum dia existiu. O preâmbulo da
Carta afirma a determinação de
suas signatárias em estabelecer
"condições sob as quais sejam
mantidos a justiça e o respeito por
obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito
internacional". Contra esse princípio, a administração Bush proclamou a unilateralidade de suas
decisões e teve força armada e
econômica para impor sua vontade, contra a resistência da ONU.
O texto básico das Nações Unidas,
a respeito das relações jurídicas
entre os países, chega a parecer ridículo. Recomenda a prática da
tolerância, a vida conjunta em
paz entre todos, como vizinhos,
com base na aceitação de princípios e a utilização de métodos
sem uso da força, salvo no interesse comum, reconhecido pelo Conselho de Segurança.
A propósito, a revista "Time"
perguntava antes do ataque ao
Iraque: "Se é perigoso ver ditadores impiedosos desenvolverem arsenais mortíferos, por que atacar
o Iraque, mas não a Coréia do
Norte? Se o povo iraquiano merece viver em um Estado livre e democrático, por que não garantir o
mesmo ao povo saudita? Se os Estados Unidos estão desejosos de
pagar o preço para derrubar Saddam, pagarão também o preço de
limpar a vizinhança dele?". A verdade dos fatos mostra que o mau
uso dessa moralidade suposta,
além das mentiras já reveladas,
põe a claro o despreparo dos dominadores para o que aconteceu
após a ocupação. Está na hora de
corrigir a rota adotada e de voltar, ainda que em parte, para os
caminhos do direito.
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