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PASQUALE CIPRO NETO
Trânsito pesado pára/para São Paulo
Em 1945, Brasil e Portugal elaboraram e negociaram um acordo ortográfico, nunca ratificado pelo Brasil
NESTA SEMANA, a mídia dedicou bom espaço à vigência
(?), a partir de 2008 (?), do
"Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa", assinado em Lisboa, em 16
de dezembro de 1990, por representantes dos então sete países lusófonos (hoje oito, com Timor Leste).
Não me enganei na data, não, caro
leitor. Repito: 16 de dezembro de
1990. O artigo 3º do texto oficial afirmava que o acordo "entrará em vigor em 1 de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do
governo da República Portuguesa".
O tempo foi passando, janeiro de
94 chegou e nada de depósito dos
tais instrumentos de ratificação. A
questão acabou sendo esquecida,
mas volta e meia alguém tocava no
assunto, especialmente quando um
mandatário brasileiro visitava Portugal (ou vice-versa). Até que...
O resto já se sabe, mas não custa
resumir: depois da criação da CPLP
(Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa), basta que três países
aprovem algo para que o resto da
turma seja "obrigada" a adotar o que
os três aprovaram. Brasil, São Tomé
e Príncipe e Cabo Verde ratificaram
o acordo, mas Portugal não o quer.
Isso significa que, se de fato entrar
em vigor (não se sabe bem se em
2008, 2009...), o acordo pode simplesmente não "pegar", ou pode "pegar" só aqui, o que, francamente...
Não será a primeira vez que Brasil
e Portugal pactuam, mas não cumprem. Em 1945, os dois países elaboraram e negociaram um acordo, que
nunca foi "ratificado pelo uso ou por
lei no Brasil" (ponho entre aspas
porque transcrevo um trecho de "A
Nova Ortografia da Língua Portuguesa", de Antônio Houaiss -Ática,
1991). Portugal adotou esse acordo,
mas nós continuamos com o que fora estabelecido pela Academia Brasileira de Letras em 1943 (com pequenas alterações em 1971).
O resultado disso é que, "embora
as ortografias portuguesa e brasileira sigam uma orientação semelhante (...), não há uniformidade: cada
país segue normas próprias" (o trecho entre aspas é da obra já citada).
Posto isso -e com o espaço quase
no fim-, cumpre-me dizer que, independentemente da opinião/posição sobre o "novo" acordo, não se
podem negar as dificuldades e os
imensos transtornos que causa a entrada em vigor de um novo sistema
ortográfico. Os sacrifícios (necessidade de habituar-se ao novo sistema, reedição de livros e enciclopédias, reformatação dos sistemas gráficos implantados nos computadores etc.) talvez valessem a pena se a
reforma não fosse meia-sola (veja-se o que se fez com o hífen ou com os
acentos diferenciais, por exemplo).
O atual sistema ortográfico determina que se empregue acento circunflexo no substantivo "pêra" (o
fruto da pereira; interruptor de corrente elétrica etc.) e agudo no substantivo "péra" (pedra). O motivo? A
diferenciação da antiga preposição
"pera" (equivalente a "para"). Cá entre nós, essa diferenciação é inútil,
não? Pois o texto do novo acordo
prevê (felizmente) a eliminação dos
diferenciais inúteis (o de "pólo", por
exemplo), mas, varrendo o que vem
pela frente e indo além da idéia motriz (unificar a grafia na comunidade
lusófona), elimina também o acento
diferencial da forma verbal "pára". O
título desta coluna mostra bem a falta que fará/faria esse acento. É isso.
inculta@uol.com.br
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