São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

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Interno da Febem passa na Unesp e em mais 2 faculdades

Distância entre as cidades e ausência de alojamento impediram que ele cursasse a pública; o jovem, porém, fará química em faculdade privada

Rapaz de 19 anos passou na Unesp de Ourinhos, em geografia; ele é interno em Campinas

Fernando Donasci/Folha Imagem
Rapaz de 19 anos que é interno da Fundação Casa Anhangüera, ex-Febem, foi aprovado no vestibular para geografia da Unesp

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aprovado no vestibular da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o interno T.A.C., 19, da Fundação Casa (antiga Febem) Anhangüera, em Campinas, afirma que suas matérias prediletas são geografia e matemática. Até então, nenhuma das duas tinha sido muito favorável a ele.
Nascido em uma casa de quatro cômodos em Jardim Conceição, bairro extremamente carente da periferia de Campinas, T. é filho de uma faxineira desempregada que criou cinco filhos sozinha. O pai aposentou-se por invalidez, depois de perder o movimento da mão em uma briga.
"Vejo muito pouco meu pai, ele mora em outro bairro", diz T. Aos 12, ele entrou para o tráfico; aos 17, tornou-se viciado em cocaína; no ano passado, cometeu um crime que, bem, ele prefere não falar pelo grau de gravidade. "Foi um B.O. [gíria que significa confusão] muito pesado, a história é muito longa", diz ele, que está na Fundação Casa desde maio de 2007.
De fato, apenas 3% dos 112 internos da unidade Anhangüera, segundo a encarregada técnica Ângela Maria de Andrade, 43, cometeram algo semelhante. Mas ela diz que o estatuto do menor não estipula pena para crimes cometidos por jovens com menos de 18.
"O mínimo de tempo que eles passam na Casa é seis meses, o máximo, três anos. A liberação está condicionada ao processo de desenvolvimento do internos. O T. não poderia ter ido melhor, vai sair na próxima avaliação do juiz [relatório conclusivo feito a cada três meses]." Os alunos que estudam podem sair da unidade e voltar.
Na última segunda-feira, o telefone tocou, era da Unesp. Comunicavam que T. havia passado em geografia, onde cada vaga foi disputada por dez candidatos. "Perguntaram por ele, e, logo em seguida, pelos pais ou responsáveis. Devem ter sabido só hoje, pela internet, que ele está aqui na Casa", acredita Ângela.
A essa altura, todos já comemoravam a aprovação de T. em outros dois cursos de uma universidade particular, a São Francisco, onde ele já tinha passado em engenharia ambiental e em química.
T. diz que sempre procurou estudar porque, ao contrário do irmão que está preso há oito anos, levou a sério quando sua mãe disse que "só assim conseguiria alguma coisa na vida". Até o segundo ano do ensino médio ele foi bem.
"Só desanimei quando me tornei usuário de cocaína. Aí, repeti o ano por falta", diz ele.
A história de T. não é mesmo das mais animadoras. Do primeiro casamento da mãe, tem um irmão de 29, esquizofrênico, e uma irmã de 28, técnica em enfermagem, que vive com o pai. Do segundo, tem o que está preso, de 26, um que é técnico em jardinagem, de 22, e o caçula, de 12.
T. é magro, muito claro e comprido; tem 1,77m, 64 kg. O discurso é fluente, ele só ri de vez em quando e não tem seqüelas aparentes.
"O caso do T. é muito particular. Ele já era concludente do ensino médio, a gente só precisou oportunizar a faculdade para ele", diz a assistente social Sônia Aparecida Carnio, 43 .

Cursinho
Sônia e Ângela passaram a procurar na internet parceiros que os ajudassem a viabilizar o cursinho para o vestibular de T. "Temos compromisso de oferecer ensinos fundamental e médio, mas não há como bancar mais que isso", diz Ângela.
A ajuda veio do movimento Educafro, ou Educação e Cidadania para Afrodescendentes e Carentes, que existe desde 1988 como um "projeto de inclusão". "O T. não tirou notas médias, só ótimas", diz Edna Beato, coordenadora do movimento, que tem um convênio com a São Francisco.
Para cada um aluno com 100% de bolsa, o movimento arruma dois que paguem 50%. O vestibular é o mesmo para todos. No curso de engenharia ambiental, a São Francisco recebeu nota 5 nos três quesitos avaliados pelo MEC; no de química, dois 5 (e um 4).
T. teve de declinar do curso da Unesp, porque o campus é em Ourinhos, cidade distante 380 km de Campinas. "Não temos alojamento, apenas bolsas de auxílio a quem vem de longe e não tem onde ficar. Mas é por sorteio, e só depois que o aluno garante a vaga", explica o coordenador-executivo da Unesp, Paulo Mourão. "Ficamos tristes, queríamos recebê-lo."
O curso de engenharia ambiental não reuniu alunos suficientes. "A gente já chorou muito juntos. No meio do ano é muito difícil conseguir abrir uma turma", afirma Edna Beato. Por isso, T. perdeu o vestibular e a bolsa. Mas não as esperanças. Vai fazer química.
Ou melhor: um bom uso da química. Bem diferente do que o levou a perder o ano no ensino médio. "Tem muita empresa da área nessa região, o mercado de trabalho aqui é bom", diz.


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