São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997.



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Noites viraram horas de medo

BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação

No final de 67 eu tinha oito anos de idade e, garoto de classe média paulistana, sabia que o Luz atacava à noite.
Certa vez, já recolhido sob o cobertor da cama, a vermelhidão adentrou o escuro do meu quarto pelas frestas da persiana, e eu não tive dúvidas: Bandido rondava a nossa casa, buscando o local mais adequado por onde invadi-la.
À espera do pior, quase sem piscar os olhos, agarrei firme o lençol, pois gritar ou levantar em busca de socorro pareceu impossível: o desgraçado me agarraria pelas costas.
Durou horas, o pânico; só terminou bem depois de a própria vermelhidão ter desaparecido.
Essa convicção de um cerco fatal e o pavor decorrente dela voltaram a acontecer mais três ou quatro vezes nas semanas seguintes. O Luz não desistia de me importunar. Rádio e TV só falavam nele. Naquele período as noites viraram sinônimo de medo.
Levei meses para entender que, sendo estreita a nossa rua, perto do largo de Pinheiros, a lanterna que me terrificara haviam sido, não a de João Acácio, tão temida, mas sim os faróis traseiros do Aero-Willys do vizinho da frente quando chegava tarde da noite e estacionava em sua garagem.
Ironia da infância: àquela altura -sei hoje-, o responsável pelos meus horrores noturnos já estava, e fazia um bom tempo, dormindo na cadeia.



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