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Noites viraram
horas de medo
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
No final de 67 eu tinha oito anos
de idade e, garoto de classe média
paulistana, sabia que o Luz atacava
à noite.
Certa vez, já recolhido sob o cobertor da cama, a vermelhidão
adentrou o escuro do meu quarto
pelas frestas da persiana, e eu não
tive dúvidas: Bandido rondava a
nossa casa, buscando o local mais
adequado por onde invadi-la.
À espera do pior, quase sem piscar os olhos, agarrei firme o lençol,
pois gritar ou levantar em busca de
socorro pareceu impossível: o desgraçado me agarraria pelas costas.
Durou horas, o pânico; só terminou bem depois de a própria vermelhidão ter desaparecido.
Essa convicção de um cerco fatal
e o pavor decorrente dela voltaram
a acontecer mais três ou quatro vezes nas semanas seguintes. O Luz
não desistia de me importunar.
Rádio e TV só falavam nele. Naquele período as noites viraram sinônimo de medo.
Levei meses para entender que,
sendo estreita a nossa rua, perto do
largo de Pinheiros, a lanterna que
me terrificara haviam sido, não a
de João Acácio, tão temida, mas
sim os faróis traseiros do Aero-Willys do vizinho da frente
quando chegava tarde da noite e
estacionava em sua garagem.
Ironia da infância: àquela altura
-sei hoje-, o responsável pelos
meus horrores noturnos já estava,
e fazia um bom tempo, dormindo
na cadeia.
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