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LETRAS JURÍDICAS
De embriões e clonações
WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
É complicado tratar do destino dos embriões e da clonação de seres humanos, criados em
laboratório ou em clínicas de reprodução assistida, independentemente da relação biológica entre as pessoas que os geraram. A
complicação resulta do envolvimento do tema com convicções
religiosas e morais, cuja força é
justamente expressiva, mas dificulta a serenidade do debate.
Pensemos nesse embrião. Consiste na união, mediante procedimentos técnicos, do sêmen masculino com o óvulo feminino,
dando origem a um projeto de
gente (eis o embrião), que poderá
viabilizar-se se implantado, com
outras técnicas, igualmente científicas, em ventre de mulher. Ela o
gestará, tendo ou não tendo liame familiar ou de sangue com o
nascituro (aquele que vai nascer).
Trata-se de metodologia aceita,
há anos, no universo científico e
social, em cujo uso profissionais
brasileiros têm tido destaque.
O debate pega fogo quando se
trata da possibilidade de o embrião ser guardado em temperaturas ultrabaixas, para aproveitamento posterior (tendo alguma
semelhança com os bancos de
sangue) ou de avaliar a hora de
descartar-se dele. A agitação das
manchetes se ampliou quando se
admitiu, na Inglaterra, até a possibilidade da clonagem do embrião, quando necessária para
desenvolver novos órgãos, sadios
e em boa forma, destinados aos
transplantes e, assim, a salvar vidas. Confesso, enquanto trabalhador do direito, que a clonagem
me assusta, pois subverte conceitos jurídicos milenares. Reconheço as boas possibilidades dela resultantes, com a criação de novos
tratamentos, mas não se podem
esquecer os perigos da má utilização, dramatizados em mais de
uma obra de ficção, agora que parece próxima sua aplicação prática.
Voltando aos embriões, quer-se
saber se é legalmente possível e
eticamente aceitável que sejam
congelados para sua manutenção, destinados à utilização reprodutiva ou a experiências científicas, e posteriormente destruídos, quando não forem usados. Se
o embrião for um ser humano,
sua morte constituirá verdadeiro
homicídio. Se tiver alma, como
crêem muitos, será insuportável
heresia. Pensada a questão em
termos constitucionais, há o parágrafo 4º do artigo 199 da Carta
Magna, pelo qual -embora não
se refira ao mesmo assunto- a
lei deve dispor sobre condições e
requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas. Os fins permitidos
são enunciados com largueza,
pois compreendem o transplante,
a pesquisa e o tratamento. O sangue pode ser coletado para transfusão e para processamento de
derivados. Nem na norma constitucional nem na lei ordinária (nº
9.434/97) há disposições expressas
a respeito da natureza dos embriões e de sua destruição. Na minha convicção religiosa e científica, digo ao leitor que o embrião
não é um ser humano. A condição
humana decorre do ventre da
mulher, quando se torna -como
diz o Código Civil- nascituro (se
o leitor quiser ampliar sua visão,
leia "Tutela Civil do Nascituro",
de Silmara Chinelato e Almeida,
Saraiva, 380 páginas, que defende
posição diversa). Fora do ventre,
no meu entender, o embrião é peça de laboratório, expectativa de
vida, mas não vida. Destruí-lo
não é crime, nem assim deve ser
considerado. A questão tem tantos lados que o debate se abre a
todos. Estamos, nestes tempos
conturbados, em mundo novo, diferente do que existiu desde o big-bang. Foi nosso destino testemunhar e sofrer os efeitos da mudança. Tratemos de enfrentá-la.
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