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FEBEM
Através de parcerias com empresas, menores internos conseguem oportunidade de trabalho e se afastam da marginalidade
"Escola do crime" vira fábrica de empregos
RICARDO KOTSCHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O perfil de Marcos Antonio
Nascimento da Silva, o Marquinhos, hoje com 18 anos, não era
muito diferente do encontrado
nos prontuários de outros internos da Febem quando ele foi preso em fevereiro deste ano, ao tentar assaltar uma perua Sprinter.
Filho de um motoboy que passou oito anos na cadeia, também
por assalto, abandonado pela mãe
aos nove anos, Marquinhos sobrevivia de pequenos furtos que o
ajudavam a cuidar dos três irmãos menores na favela do Jardim Souza, em Guarapiranga, zona sul de São Paulo, onde nasceu.
A diferença entre ele e milhares
de outros internos da Febem -a
Fundação Estadual do Bem-Estar
do Menor, desde sempre estigmatizada como "escola do crime"-
é que Marquinhos saiu da instituição diretamente para um emprego, depois de ter cursado a Escola de Informática e Cidadania,
instalada em maio último no
complexo do Tatuapé.
Na semana passada, Marquinhos começou a trabalhar como
operador de copiadoras da empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers, ganhando R$ 350
mensais mais os benefícios, que
praticamente dobram seu salário.
Do crime ao trabalho com carteira assinada, passaram-se apenas seis meses -uma verdadeira
eternidade que transformou a vida desse jovem, antes condenado
à delinquência, graças aos novos
tempos vividos atrás dos temidos
muros da Febem.
A mesma instituição, recentemente ameaçada de ser denunciada pela Câmara dos Deputados à
Organização dos Estados Americanos (OEA) por maus-tratos
aplicados aos adolescentes sob a
sua guarda, mostra que é possível
superar o seu maior estigma -de
depósito de infratores.
Parceria pioneira
A Febem formalizou no início
deste ano uma parceria com a iniciativa privada, que levou à criação da Escola de Informática e Cidadania (EIC), com a participação da Câmara Americana de Comércio (Amcham-SP), a PricewaterhouseCoopers e o Comitê para
a Democratização da Informática
(CDI), entidade criada por Rodrigo Baggio, no Rio de Janeiro, para
dar acesso ao mundo dos computadores a jovens sem recursos.
Marquinhos fazia parte do grupo de 80 adolescentes que deram
início ao curso, no dia 29 de maio,
e foi o primeiro a conseguir um
emprego, depois de receber seu
diploma das mãos do governador
Geraldo Alckmin (PSDB).
Além do conteúdo técnico (MS-Windows e MS-Office), faz parte
do curso a discussão de temas ligados à cidadania (direitos humanos, não-violência, preservação
ambiental, saúde).
Os 46 microcomputadores usados, instalados no Tatuapé, foram
arrecadados pela campanha Megajuda da Câmara Americana de
Comércio, que reúne 4.300 empresas, entre elas a PricewaterhouseCoopers.
Como não planejava trocar seus
micros durante este ano, a Price,
em lugar de equipamentos, forneceu os profissionais voluntários
que ministram as aulas, em colaboração com instrutores da Febem, seguindo a metodologia pedagógica do CDI.
Na quarta-feira da semana passada, 112 internos começaram o
terceiro curso no complexo do
Tatuapé. Outras três unidades da
Febem passaram a contar desde
agosto com instalações semelhantes. A meta é dotar de EICs todas
as unidades da instituição até dezembro de 2002.
Formados na Febem
Entusiasmado com a primeira
experiência de parceria com a iniciativa privada, Laurence Casagrande Lourenço, supervisor de
educação profissional da Febem,
lembra que, até há pouco tempo,
a instituição era muito fechada.
Só tinha alguns acordos com órgãos estatais para a colocação dos
ex-internos.
Dos 4.350 adolescentes que se
encontravam internados nas 42
unidades da Febem na semana
passada, 3.100 estavam inscritos
em algum dos 19 cursos profissionalizantes regulares oferecidos.
Mas as vagas oferecidas aos ex-internos ainda são poucas: 20 na
Cosesp (Companhia de Seguros
do Estado de São Paulo), 30 na
CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano)
e 28 na FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação).
Em outubro, a Imprensa Oficial
vai abrir 60 vagas para adolescentes selecionados pela Febem que
se encontram em regime de liberdade assistida.
Como os cursos têm duração
média de dois meses, e o período
médio de internação dos adolescentes é de seis a sete meses, alguns chegam a frequentar aulas
em até três áreas diferentes.
O engajamento é voluntário,
mas Lourenço calcula que 80%
dos internos frequentam pelo menos um curso. É a melhor forma
de conseguir boa avaliação nos relatórios enviados pelos assistentes
sociais da Febem aos juízes que
determinam o prazo da medida
socioeducativa, o eufemismo jurídico para a pena dos menores.
Portas abertas
Se depender de Wander Teles,
sócio-diretor da PricewaterhouseCoopers, o caso de Marquinhos
é apenas o primeiro de uma série.
Nos próximos dias, outro ex-interno da Febem que frequentou o
curso da EIC será encaminhado
para trabalhar nos escritórios da
empresa em Sorocaba, cidade do
interior paulista.
Teles pretende, a curto prazo,
abrir outras cinco vagas e já está
fazendo contatos com clientes da
empresa de auditoria para encaminhar adolescentes, que antes
deverão passar por um estágio de
seis meses na própria Price.
S.J.C., 17, que tentou furtar uma
moto, foi apanhado em flagrante
e está internado há seis meses na
Febem, pode ser um dos próximos beneficiados.
Jobim Tapajós Monteiro, supervisor da gráfica da Price e um dos
instrutores voluntários que dão
aulas na Febem, está gostando do
empenho do adolescente.
"S. mostra uma certa aptidão,
apesar de nunca antes ter se envolvido com informática. O
maior problema que encontramos aqui é a formação escolar deficiente", afirma Monteiro.
Para alguns internos como
S.J.C., passar uma temporada na
Febem já não representa uma
condenação aos infernos e pode
até mudar os projetos de vida.
Antes, ele já tinha vontade de
"aprender alguma coisa no computador". Mas, como não teve
oportunidade, sonhava em ser jogador de futebol. "Quando sair
daqui, agora vou poder trabalhar
com computador", diz.
O ensino de informática também entrou por acaso na vida de
D.M.S., 13. Num sábado de abril
deste ano, ele foi convidado por
um colega da turma da rua no Capão Redondo, zona sul, a subir na
garupa da moto para "dar um rolê". Levaram um tombo, a polícia
chegou e os dois foram parar na
Febem. A moto era roubada, mas
D.M.S. afirma que não sabia.
Aluno da 7ª série do Instituto
Adventista de Ensino, D.M.S agora está no segundo estágio do curso de informática da EIC e frequenta também aulas de violão.
Elogiado pela diretora, por psicólogas e por assistentes sociais da
UI-7 (Unidade de Internação),
que acreditam na sua inocência,
deve ser posto logo em liberdade.
"Eu vou ser dentista, você vai
ver", promete o menino, ajeitando os óculos, com seu jeito de
bom aluno. Se não fossem a roupa, o corte de cabelo e o ritual que
o obriga a andar sempre com as
mãos para trás, ninguém poderia
dizer que é um menino da Febem.
Da mesma forma, os colegas de
gráfica de Marcos Antonio Nascimento da Silva não imaginavam
que o novo funcionário é um ex-interno da Febem. Foi ele quem
fez questão de contar sua história,
com dois objetivos. "Quem sabe
assim mais empresários se interessem em fazer parcerias com a
Febem. E o pessoal que está lá
dentro, vendo o que aconteceu
comigo, ganha mais esperança de
conseguir um emprego também."
Casado, pai de uma menina de
cinco meses, que nasceu quando
estava na Febem, Marquinhos
agora vai poder ajudar o sogro a
pagar o aluguel da casa onde moram. Antes de ser preso, não dava.
Ganhava só R$ 100,00 por mês.
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