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FEBEM
Ex-interno agora é doutor pela USP
Hoje professor, ele aconselha jovens a "mostrarem seu valor" em oportunidades de trabalho
DA REPORTAGEM LOCAL
Dos seus 42 anos de vida, o
professor Roberto da Silva passou 24 confinado em instituições
do Estado (sendo 14 em diferentes unidades da Febem e sete na
Casa de Detenção). Doutorado
pela USP na semana passada,
defendendo a tese "A Eficácia
Sócio-pedagógica da Pena de
Privação de Liberdade", ele dá
um conselho a Marcos Antonio
Nascimento da Silva:
"Se você teve a sorte de alguém
te abrir as portas, te dar uma
oportunidade de trabalho, agora
é hora de mostrar o seu valor
pessoal, sem olhar para o passado. Eu nunca esperei que alguém
tivesse dó ou pena de mim. Passar seis meses na Febem é pouco
tempo para afetar um projeto de
vida, não passa de um evento
circunstancial."
Roberto fala com conhecimento de causa. Após a separação dos pais, veio com a mãe e
três irmãos de São José dos
Campos (SP) para São Paulo.
Passaram fome e perambularam
pelas ruas durante quatro meses,
até serem atendidos pelo Juizado de Menores, que determinou
a internação das crianças na Febem e, da mãe, num hospital psiquiátrico. A família acabou aí.
Aos 17 anos, ao sair da Febem,
Roberto teve muitas dificuldades para enfrentar sozinho a vida em liberdade. Arrumou um
emprego de office-boy, foi morar numa pensão, largou a escola
na 5ª série e, pouco tempo depois, estava começando a praticar pequenos furtos. Fez o caminho inverso ao dos internos da
Febem: só começou a delinquir
depois de ter saído de lá. E foi
novamente morar nas ruas até
ser preso e condenado a 36 anos
de prisão por crimes diversos.
Na cadeia, começou a estudar
Direito por conta própria e tornou-se um autodidata para advogar em causa própria. Teve
bons resultados: conseguiu reduzir a pena a um quinto da condenação. Em liberdade, em 1984,
ajudou a organizar os que ficaram presos para defender seus
direitos. Mas, diante da oposição
do Poder Judiciário, resolveu
tentar a vida em outra praia.
Durante 12 anos, foi missionário da Igreja da Unificação do reverendo Moon, onde estudou
Teologia num curso livre. Só aos
33 anos resolveu voltar à escola
regular e não parou mais. Fez o
supletivo de primeiro e segundo
graus, formou-se em Pedagogia
pela Universidade Federal do
Mato Grosso e tornou-se mestre
pela USP, em 1996, com uma tese que virou livro (Os Filhos do
Governo, Editora Ática, 1997).
Agora doutor, Roberto da Silva é responsável pela área de
Metodologia Científica da Universidade Santana e, na semana
passada, contratado pela prefeitura, começou a dar palestras
para professores sobre a relação
entre a escola e o Estatuto da
Criança e do Adolescente em toda a rede municipal de ensino.
O professor lembra que a Febem é uma herança do regime
militar (a Funabem, que originou os orgãos estaduais, é de dezembro de 1964). Hoje, a instituição só cuida de infratores
-já teve 16 mil internos, quando abrigava também menores
carentes e abandonados-, mas
mantém, segundo ele, "a mesma
estrutura gigantesca e centralizada", com a média de um funcionário por adolescente.
Para mantê-la, contou no ano
passado com um orçamento de
R$ 172 milhões, a um custo de
R$ 1.300 mensais por interno.
Mesmo assim, ele afirma que
"a Febem não precisa acabar,
apenas mudar". Roberto defende a municipalização da política
de atendimento, ficando a Febem apenas como gestora dos
recursos e não executora das
medidas sócio-educativas. "Não
é por falta de dinheiro, de recursos humanos ou de espaço que a
Febem tem tantos problemas. É
preciso mudar o modelo criado
na época do regime militar."
As parcerias com a iniciativa
privada podem ser um bom começo para essa mudança, à medida que a sociedade assumir a
sua parcela de responsabilidade,
em vez de ficar se mobilizando
apenas para impedir a construção de novas unidades da Febem
em seus municípios.
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