São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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ESTRADAS

Pesquisa indica maior gravidade de acidentes nos horários em que há maior inclinação do motorista a dormir

67% das mortes acontecem "no escuro"

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL


A noite e a madrugada recebem 39,6% do tráfego de veículos, mas concentram 46,6% dos acidentes e 67,1% das mortes nas estradas de São Paulo sob controle da iniciativa privada. Entre 0h e 6h, há uma morte nas rodovias a cada 21 acidentes. Das 9h às 12h, 96 acidentes resultam em uma morte.
Esses dados, que indicam os riscos para motoristas que viajam no período noturno, integram um estudo com base em 31.835 acidentes de trânsito registrados entre fevereiro de 2000 e de 2002 em 1.819 km de estradas -metade da malha concedida pelo Estado.
O levantamento foi coordenado pela médica Patrícia Bighetti, da concessionária Intervias, com profissionais do Incor (Instituto do Coração) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo, antiga Escola Paulista de Medicina). Ele aponta a sonolência dos motoristas como um dos principais motivos para a gravidade dos acidentes à noite e de madrugada.
A fatalidade tende a aumentar justamente nos horários em que há maior inclinação do ser humano a dormir. Das 23h às 2h, há uma morte a cada 19 acidentes, das 4h às 5h, uma a cada 21,5, contra uma a cada 55, por exemplo, sob a luz do sol -das 6h às 18h.
"É durante a madrugada que a temperatura do corpo fica mais baixa, os motoristas ficam mais sujeitos à perda de reflexo e da coordenação motora", diz Marco Túlio de Mello, professor do Instituto do Sono, ligado à Unifesp.

Velocidade e iluminação
"O motorista relaxa quando dorme, fica sem os mecanismos de proteção do corpo. Agrava a situação do acidente, aumenta a intensidade. É uma queda livre", afirma Fabio Racy, presidente da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).
Os especialistas também elencam duas condições para agravar os riscos de quem viaja nesses horários: a velocidade dos veículos - que é maior quando há menos trânsito- e a falta de iluminação -que dificulta a visibilidade.
"Tudo piora à noite. A sonolência é agravada pela escuridão, e os problemas de sinalização, de engenharia, se tornam mais perigosos", diz Philip Anthony Gold, consultor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
O problema da direção à noite é mais grave nas estradas do que nos trechos urbanos porque a viagem costuma durar mais e ser mais monótona. A avaliação é de Adauto Martinez Filho, engenheiro que participou de uma pesquisa inédita no país, divulgada em maio deste ano, sobre as causas dos acidentes no trânsito.
O estudo, coordenado pelo especialista em trânsito Roberto Scaringella, mostrou que 22% dos casos em áreas urbanas eram motivados por fatores apenas humanos -como a embriaguez e a sonolência dos motoristas. Nas rodovias, o índice atinge 57%.
A situação de risco à noite também piora nas estradas pela presença dos caminhoneiros, cujo tempo de sono costuma ser reduzido -média de cinco horas diárias entre os autônomos, contra sete horas e 40 minutos da média da população, segundo a médica Cláudia Moreno, da Unifesp.
O professor Túlio de Mello explica que, embora cada pessoa tenha um tempo de sono próprio para não se sentir cansado no restante do dia, essa média é "extremamente perigosa" para um profissional do volante.
A constatação sobre a gravidade dos acidentes noturnos é um dos principais argumentos de técnicos em segurança no trânsito para se opor a propostas de aumento do fluxo de veículos nesses horários. Por exemplo, a que prevê a liberação dos pedágios das 23h às 6h, idéia já defendida por políticos de diferentes partidos.
A deputada estadual Mariângela Duarte (PT) chegou a fazer um projeto na Assembléia Legislativa com uma proposta desse tipo, que foi incorporada na campanha eleitoral deste ano pelo candidato a governador Paulo Maluf (PPB).
"O tráfego não pode ser incentivado à noite. O corpo humano tem um ciclo natural. O organismo não se adapta com facilidade. O risco vai ser sempre muito maior nesse período", afirma Fabio Racy, da Abramet.
"As condições de tráfego à noite são extremamente insalubres e causadoras de acidentes. A liberação do pedágio para caminhões de madrugada é uma agressão a essa categoria, portadora de altos índices de distúrbios do sono, e também aos demais usuários das rodovias, que vão conviver com mais caminhões à noite", avalia a médica Patrícia Bighetti.
Para Cláudia Moreno, médica da Unifesp, a circulação à noite é prejudicial mesmo para aqueles caminhoneiros que declaram estar acostumados a dormir de dia. Nos dias de folga, relata ela, esses profissionais seguem os horários do resto da família e revertem a adaptação do ritmo biológico.


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