São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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DESIGUALDADE

Pesquisa mostra que aumento de lares sob responsabilidade feminina foi mais intenso em áreas de exclusão

80% das chefes de casa são excluídas em SP

EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

Apenas 20% das mulheres que chefiam casas na capital paulista podem ser chamadas de incluídas (moram em bairros, por exemplo, que têm acesso a serviços públicos, baixa taxa de homicídio juvenil, reduzido índice de mortalidade infantil e escolaridade média alta). Todas as demais têm de administrar seus lares em regiões em que falta alguma coisa ou em que falta tudo.
Nas áreas de exclusão social da cidade de São Paulo, as casas sob chefia feminina aumentaram sua participação em 44,6% entre os anos de 1991 e 2000 (19,3% do total de domicílios para 27,9%). Nas áreas com melhores condições de vida, o aumento foi de 29%.
O total de lares (695.782) chefiados por mulheres nas zonas excluídas da capital paulista é maior do que a soma de todos os domicílios de Belo Horizonte.
A terceira edição do Mapa da Exclusão/Inclusão Social, pesquisa da PUC-SP, permite qualificar os números que os censos de 1991 e 2000 apuraram para São Paulo.
O mapa mede as diferenças de condição de vida na cidade. São considerados 47 indicadores, que englobam renda, educação, acesso a serviços públicos, condições de moradia, mortalidade na infância, homicídio juvenil etc.
O crescimento na participação das chefes mulheres na capital paulista (39,6%) poderia sugerir, a princípio, um processo de igualdade entre os sexos em um contexto de avanço social. Mas não é isso que se verifica quando os indicadores são transpostos para espaços urbanos.
Do total dos domicílios sob responsabilidade de mulheres, 80% estão em áreas de exclusão. Não por coincidência, os distritos que registraram os maiores crescimentos na proporção de mulheres chefe estão entre os que apresentam piores condições de vida.

Rumo à periferia
O aumento de mulheres chefes na capital está fortemente ligado ao movimento da população em direção à periferia. Os mais pobres, ao longo da década de 90, rumaram para as áreas distantes do centro para ter acesso à moradia própria -a fuga do aluguel.
Essas áreas periféricas foram ocupadas precariamente, sem o acompanhamento de serviços públicos e infra-estrutura urbana. "Vai a casa, mas não vai o resto", diz Dirce Koga, 38, pesquisadora da equipe que elabora mapa. O resto citado pela pesquisadora é a parte que cabe ao poder público no atendimento aos moradores da maior cidade do país.
Trata-se de um fenômeno ainda mais claro nos extremos do município -áreas de forte exclusão social. Na borda norte de São Paulo, o distrito de Anhanguera teve um aumento de 80,2% no percentual de lares de chefia feminina (de 11,5% do total, em 91, para 20,7%, em 2000). Na extremidade oeste, o Jaguaré apresentou 67,1% (de 17,2% para 28,8%). Na margem leste, o Itaim Paulista registrou 67,0% (de 16,6% para 27,6%). Na zona sul, o Grajaú teve 65,4% (de 14,7% para 24,3%).

As sem-renda
A condição precária em que se estabelecem esses domicílios fica mais evidente quando é analisada a distribuição das chefes de casa sem renda em São Paulo.
Elas eram 100.795 em 2000. Dessas, 90.964 (90,2%) estavam em áreas de exclusão social.
Para Aldaíza Sposati, secretária municipal da Assistência Social, professora da PUC e coordenadora da pesquisa da exclusão/inclusão social, o crescimento dos lares femininos é reflexo do esgarçamento familiar em regiões em que a miséria predomina. São zonas desassistidas pelo poder público, em que as mulheres se tornam mães cada vez mais cedo.
Luiz Antonio Pinto de Oliveira, 55, chefe do Departamento de População e Indicadores Sociais do IBGE, lembra que o vínculo entre pobreza, abandono social e aumento do número de casas sob responsabilidade feminina é algo que se verifica em outras periferias brasileiras, sobretudo nas regiões Sudeste e Sul. Nas capitais do Nordeste -como Salvador, Recife, Aracaju e São Luís-, a emigração masculina para outros locais, em especial os grandes centros, é fator importante para a explicação do fenômeno.

As incluídas
A porção incluída das mulheres chefes de lar na capital se encontra nas regiões centrais. Bela Vista é o distrito que tem o maior percentual de mulheres responsáveis pelo domicílio cidade: 44,3%. Outros sete distritos têm indicador acima de 40% (ver quadro).
O crescimento da participação da chefia feminina da área incluída foi comparativamente menor -29,0%, contra os 44,6% da área excluída. Em 2000, os lares femininos em áreas de inclusão somaram 171.720, o que equivale ao número total de domicílios de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
O que ocorre na porção incluída é algo bem distinto do que se verifica na periferia, como notam Oliveira, do IBGE, e a equipe de pesquisadores do mapa. Nas regiões centrais, essas mulheres encontram infra-estrutura urbana, serviços públicos e aluguéis baratos. Entre elas, há um grande contingente de viúvas (a expectativa de vida feminina é maior).
As chefes incluídas têm escolaridade mais elevada. Vão do operariado com mais renda até a classe alta -encarnam os aspectos comportamentais normalmente atribuídos a esses estratos. A igualdade entre sexos e o aumento da autonomia feminina ficam, portanto, mais cor-de-rosa em contexto de inclusão social.


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