São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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Em favela da zona sul, elas mandam

DA REDAÇÃO

É de causar curiosidade ao observador mais atento. Primeiro, a rua em Cidade Dutra (zona sul de SP), tem o nome do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1904. Outra coisa estranha: quem chega à favela Jardim Pouso Alegre tem a impressão de não ter chegado a uma favela verdadeira.
A rua é de asfalto. Há calçadas -estreitas, mas há. Existem postes de iluminação, não se encontra o tradicional telhado de zinco, não se vêem as precárias tábuas de caixote. As casas são de fria alvenaria. E neca de samba.
Há muitas crianças na rua. Querem dar entrevistas e aparecer nas fotos. Todos sonham ser rappers. Mas, infelizmente, a Folha não estava lá para ouvi-los, e sim para saber por que, ali, 79 dos 101 chefes de domicílio são mulheres.
Vera Lúcia Maria da Silva, 35, mãe de dois filhos, é direta. "É incrível. Homem não quer saber de responsabilidade."
E aí? Como é sem ele? "É melhor. Prefiro ser sozinha." O domicílio pelo qual Vera Lúcia é responsável tem três cômodos, água encanada, telefone. Dez pessoas moram lá. Ela cuida de uma casa no Itaim Bibi (zona oeste de SP) e tem renda mensal de R$ 500. O que o lugar tem de pior? "O "corguinho", sem dúvida."
O trecho do Jardim Pouso Alegre que é dominado pelas 79 mulheres tem como fundo um curso d'água para onde é mandado o esgoto. Quando há enchente, dizem, é um horror.
"É, tem muito rato", diz Marina Pereira, 46, mãe de um filho de 13 anos. Ela trabalha como diarista na Vila Olímpia (zona oeste) e tem uma renda mensal de R$ 150.
As crianças têm lazer? "Não, ficam aqui, como você vê, brincando na rua." Marina se separou porque ele arranjou outra. E como é sem ele? "Viva a liberdade!"
Júlia Ferreira da Silva, 68, engraçou-se com a reportagem da Folha. Ela ri muito, brinca muito. É viúva. Os dois filhos foram mortos há mais de dez anos.
Ela trabalha como diarista no Morumbi, no Brooklyn, em Américo Brasiliense. Reclama que o dinheiro está curto porque as patroas só querem serviço de 15 em 15 dias -não mais semanalmente. Com os R$ 200 que ganha por mês, ajuda a nora a criar os netos.
Qual o sonho? "Um companheiro que me aceitasse como eu sou. Para morar junto." Foi a única resposta que Júlia deu sem que deixasse transparecer um constante tom de brincadeira. (ECD)


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