São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2006

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WALTER CENEVIVA

Montesquieu desmontado


Há um ponto em comum com a ditadura nas democracias atuais: o governante quer manter o poder em suas mãos


NA DITADURA, a administração do Estado é sempre piramidal: há o poder central uno, que se divide em níveis (ou tentáculos). Nestes, a força é diluída na dupla proporção de sua distância do centro e do maior número dos executores das ordens emanadas do alto ou da exacerbação delas, ante a menor expressão daqueles sobre os quais a opressão recai.
Na ditadura, as leis são feitas na medida da conveniência da manutenção do poder em mãos do grupo que o conquistou, seja representado pelo grupo, com nome de partido ou instituição, ou pelas forças armadas, garantidoras da dominação, como visto nesta semana na Tailândia.
Na democracia, de tempos em tempos, o povo é chamado a votar e o faz livremente. Há, porém, um ponto de semelhança com a ditadura nas democracias atuais. Quer os programas oferecidos pelos candidatos sejam avançados, modernistas ou conservadores, o resultado visado pelos vencedores também se acha na manutenção do poder em suas mãos. É o que facilmente se percebe enquanto os vencedores são governo. Como diz Von Clausevitz, o objetivo na guerra (e na política) consiste em destruir o inimigo, aniquilando sua força, ou o levando a aderir ao vencedor. A tendência se espalha em todos os níveis de governo, nos Estados, províncias ou regiões.
A ditadura tem, geralmente, uma constituição formal, mantendo as aparências da ordem legal dominante. A constituição nesse caso é o instrumento de figuração jurídica, destinado a justificar as ações de controle. Na democracia, a Constituição deve ser imposta a todos igualmente, pela magistratura. Reconheço que até aqui, o texto há de parecer óbvio para o leitor, seja ele das profissões jurídicas ou não.
A obviedade desaparece quando se passa da teoria para a prática. Tanto na democracia quanto na ditadura, governantes contemporâneos querem ter o domínio dos meios de comunicação, no esquema do controle estendido do poder. Domínio direto, oficial, na ditadura ou por meio de seus aderentes, em outro esquema, até pela alegação de falsos motivos patrióticos. No presidencialismo com a sobreposição do poder executivo, a "disponibilidade" da comunicação social é facilitada pelo manuseio político-econômico de meios detidos pelos governantes, conforme escreveu Otávio Frias Filho anteontem neste jornal. Nas democracias e nas ditaduras, a dominação do Executivo sobre os outros poderes, seja qual for a divisão de funções, mostra-se constante. Aquele tem e os outros não têm a permanência e a força de afirmação de agir segundo o superior interesse público e do bem comum, quer seja sincero quer não o seja.
Montesquieu (1689/1755), que deu corpo às idéias da tripartição dos Poderes (o Executivo faz, o Judiciário julga e o Legislativo legisla), tem hoje mero valor histórico a ser reformulado. Muitos são os que pensam em redefinir as estruturas do Estado, mas estão perplexos, na complexidade da vida contemporânea. Complexidade gerada em apenas 60 anos, mais mutantes que os 6.000 anos procedentes. Com a comunicação instantânea pelas redes eletrônicas talvez seja possível retomar o controle de todo o povo sobre todo o poder. É uma idéia que as próximas eleições inspiram.


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