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DANUZA LEÃO
A obrigação de ser feliz
Mas querendo a mesma coisa que qualquer pessoa normal: chegar em casa, se atirar na cama e ver o final de um filme
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ELA HAVIA combinado de jantar com amigos no restaurante mais novo da cidade, que,
além de ser lindo e caríssimo, parece
que se comia muito bem; se encontrariam lá às 10h. Mas naquele dia
não estava muito bem. Para dizer a
verdade, estava mal, e sem nenhuma
razão especial para isso (como se
precisasse).
A pele estava sem viço, o cabelo
ruim, mas pensou que quando chegasse e tomasse uma bebida tudo ia
melhorar. Pegou um táxi, e o trânsito estava péssimo, tudo parado.
Olhou para o lado direito, a calçada
vazia; à esquerda, um ônibus parado.
O motorista, jovem, parecia calmo,
mas olhou várias vezes para o relógio; alguém devia estar esperando
por ele, pensou.
E pensou também no seu quase
tédio, que estava indo para um restaurante cuja conta seria provavelmente mais alta do que ele ganhava
em um mês. Ficou pior e começou a
pensar.
Como seria a vida daquele motorista? Se às 10h da noite ele ainda estava trabalhando, devia ter começado pelas 2h da tarde -isso se não fizesse um biscate na parte da manhã.
Devia morar longe, e ainda ia ter que
pegar uma condução para chegar
em casa, o que seria lá pelas 11h. A essa hora a mulher talvez já estivesse
dormindo, e ele ia ter que fazer um
prato e botar para esquentar antes
de cair na cama, morto de cansaço,
sem ter com quem falar. O que será
que ele pensava da vida? Teria planos para o futuro? Planos de melhorar de vida e poder ir a uma pizzaria aos sábados, tomar uma cerveja, voltar para casa e dormir abraçado com
a mulher, sabendo que no dia seguinte ia poder acordar mais tarde,
botar uma bermuda e ficar em casa
de bobeira, vendo qualquer coisa pela televisão?
O trânsito não andava, e ela só
prestava atenção nele. Nele, que parecia conformado, cumprindo sua
obrigação, sem pensar em nada a
não ser no trânsito, que não era para
estar assim parado àquela hora. Teria acontecido algum acidente?
Daí a pouco os carros começaram
a andar, o táxi virou à direita, e dez
minutos depois ela chegou ao tal
restaurante. O bar estava cheio, e a
música -moderna- tocava alto o
suficiente para que não se pudesse
conversar, a não ser falando bem alto. Fez um esforço para ficar alegre;
era preciso estar alegre, ou pelo menos fingir que estava. Tomou o primeiro drinque, tomou o segundo,
mas naquela noite estava difícil.
Voltou a pensar no motorista,
imaginando que ele só devia estar
querendo uma coisa: chegar em casa
e se atirar na cama. E pensou nela
mesma, que não queria nada; que tinha tudo que uma pessoa pode ter,
teoricamente, para ser feliz, e que
estava tão mal. Se sentindo mais só
do que nunca, apesar de rodeada de
amigos, amigos legais que gostavam
dela e de quem ela gostava, mas querendo a mesma coisa que qualquer
pessoa normal: chegar em casa, se
atirar na cama e ver o final de um filme bem ruim, sem precisar ser inteligente, charmosa, engraçada.
Pediu um terceiro drinque, deu risada de uma história que contaram,
contou a sua, e quase sentiu inveja
do motorista, que ia deitar e dormir
sem precisar tomar nenhum comprimido, sem pensar em para que se
nasce e para que se vive.
Enquanto ela ia continuar fazendo o que sempre fez na vida, aliás
com muito talento: fingindo que era
feliz.
danuza.leao@uol.com.br
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