São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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83% dos fumantes dizem que gostariam de parar

Pesquisa Datafolha também mostra que 69% já tentaram deixar cigarro e fracassaram

No Brasil, 200 mil pessoas morrem por ano de doenças relacionadas ao tabaco, que é a principal causa de morte evitável, segundo a OMS

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dalva Maria de Mendonça, 54, é uma bem-sucedida secretária executiva em Brasília, mas coleciona fracassos quando o assunto é parar de fumar. Fumante desde os 14 anos, ela busca parar desde os 29. Nesses 25 anos, já tentou de tudo: aplicação de raio laser no lóbulo da orelha, adesivo para repor nicotina, chiclete, remédios e piteiras. "Só não coloquei o cigarro no copo d'água e tomei no dia seguinte", conta.
Dalva é um caso extremo pela dificuldade, mas seu desejo é a regra: 83% dos fumantes querem parar de fumar, segundo pesquisa feita pelo Datafolha com 2.771 pessoas a partir de 16 anos (a margem de erro é de dois pontos percentuais). Como Dalva, 69% dos fumantes já tentaram parar e fracassaram.
O cigarro é a principal causa de morte evitável, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). No Brasil, 200 mil morrem por ano de doenças relacionadas ao tabaco. Pesquisas mostram que o percentual de fumantes que quer deixar o vício sempre supera os 60%. Nos EUA e na Grã Bretanha, essa taxa é de 75% e 73%, respectivamente.
O surpreendente no caso brasileiro é o fato de o país ter índices que superam EUA e Inglaterra. A taxa dos que querem deixar de fumar é um melhores indicadores do nível de informação sobre os males do fumo, segundo a médica Vera Luiza da Costa e Silva, que dirige em Washington a área de combate ao tabagismo da Opas (Organização Panamericana da Saúde).
"O Brasil vai muito bem em informação sobre fumo, parece até um país nórdico", afirma Vera. "A foto no maço universalizou o conhecimento sobre os problemas do cigarro."
As imagens nos maços foram adotadas em 2002. No ano seguinte, as fotos ficaram maiores e mais chocantes. O Brasil foi o segundo país do mundo a usar esse tipo de contrapropaganda, depois do Canadá. A União Européia, vanguarda em saúde pública, só tornou obrigatória as fotos em 2004.
Se o Brasil é uma Noruega nos alertas, o sistema de tratamento patina no Terceiro Mundo, segundo a psiquiatra Luizemir Lago, diretora do Centro de Referência para Álcool, Tabaco e Outras Drogas do governo paulista.
O SUS (Sistema Único de Saúde) só começou a fazer tratamentos em larga escala em 2005. O Inca (Instituto Nacional de Câncer) estima que 19 milhões querem parar de fumar, mas só 44.269 foram atendidos nesses três anos -o equivalente a 0,2%. "É muito pouco", diz Tania Cavalcanti, que coordena o programa de combate ao tabagismo do Inca. "Estamos construindo um sistema e isso leva tempo no Brasil."
Como o SUS não contava com profissionais especializados nesse tipo de tratamento, o programa começou do zero, com o treinamento de médicos.
Quantidade de pacientes não é o único problema do programa. A entrega dos remédios -adesivos, chiclete e bupropiona- é irregular, segundo Luizemir. No ano passado, por exemplo, São Paulo recebeu remédios duas vezes, de acordo com Luizemir. Se o governo paulista não comprasse as drogas por conta própria, os tratamentos teriam de ser interrompidos. O Inca confirma que a entrega de remédios sofreu interrupções porque a indústria não tinha estoques.
Não que o tratamento seja baseado em drogas. "Todo mundo quer uma pílula mágica para deixar de fumar e isso não existe", diz Tânia. Num protocolo criado pelo Inca, há a estimativa de que 40% deixam o cigarro sem recorrer a remédios.
Os que precisam de drogas também são submetidos a sessões de terapia. "Só remédio não funciona porque é necessária uma mudança de comportamento. A pessoa precisa desenvolver habilidades para substituir o cigarro", afirma Tania.
A terapia é imprescindível porque a dependência do cigarro envolve um componente químico e um vetor comportamental, segundo Luizemir: "Há pessoas que não se reconhecem sem o cigarro na mão. Para deixar o cigarro é preciso reformatar a personalidade".
É por isso que os especialistas repudiam a idéia de que faltou vergonha na cara aos que fracassam. "Não é uma questão moral", diz Tania. A dependência de cigarro é tão grave quanto a de cocaína e de heroína.


Colaborou MÁRCIO PINHO, da Reportagem Local

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