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OPINIÃO
Lindemberg jogou para a torcida
JORGE FORBES
ESPECIAL PARA A FOLHA
NADA MAIS SEGURO
que prever o passado,
não há erro. O Brasil
de tantos técnicos de futebol
quantos torcedores, revelou-se
esses dias com igual número de
técnicos de segurança, de paixão e de loucura. O caso Eloá
exige. Parece ser insuportável
simplesmente não entender,
enfrentar o impacto não só da
violência mas também o da surpresa e da estranheza.
Podemos julgar uma ação
por seus princípios, ou por suas
conseqüências. No caso, frente
à morte, o que importa é a conseqüência, mais que os princípios: Eloá morreu, logo, houve
um erro. O fato de sabermos
que houve um erro quer dizer
que necessariamente ele poderia ter sido evitado? É o que
gostaríamos que fosse, mas a
resposta é não; há sempre um
imponderável, podemos melhorar os acertos, mas não garanti-los. Isso posto, vamos lá.
A mídia indaga se a mídia errou. Boa pergunta. Dizia o filósofo Gaston Bachelard que
aquele que pergunta sabe a resposta. Vamos refletir pelo mais
óbvio: se você quiser mudar a
atitude de alguém, convencê-lo
do seu erro, possibilitar uma
revisão de suas certezas, você
vai marcar um encontro em um
barzinho, em uma mesa de canto, ou no palco do Teatro Municipal, em dia de platéia lotada?
Claro, no barzinho. Ali, você
poderá ouvir à exaustão o seu
interlocutor, deslocar seus
pontos de apoio, possibilitar linhas de escape, sem ninguém
ter que honrar a palavra dada, a
sua opinião, o seu amor, o seu
ódio etc. Na intimidade é mais
fácil sermos incoerentes, duvidarmos, revermos.
Agora, se você resolve convocar uma grande platéia, muito
maior que a de um teatro, aí as
proporções são outras, o jogo é
outro: acabou a conversa, começou a legitimação, o popularmente dito: jogo para a torcida. A patologia do amor pode
fazer que alguém, um jovem
tendo perdido a sua coisa, o seu
objeto, a sua mulher, e queira
consagrar a presença perdida.
Ele entendeu mal a lição do
Romeu e da Julieta, e para expressar o seu amor doente, se
ele não pode casar, para inventar a vida, que seja a morte que
lhe invente a eternidade; sim,
ele pode assim querer. Ele pedia insistentemente algo como:
"Invadam logo esse bagulho
aqui, vamos acabar logo com isso, eu insisto, eu insisto...".
E o palco foi feito com muito
mais câmaras de fotografia e de
televisão, que em qualquer casamento de filho de político
com de banqueiro. O que poderíamos esperar do policial negociador que tentou parar esse
casamento trágico? Muito pouco, nada, a conversa não era
com ele, era com a tela, com o
estar bonito na fotografia, com
a consagração do crime. O tempora, o mores! ["Ó tempos, ó
costumes", em tradução livre].
E nessa dança macabra, o
passo final, a imprescindível
prisão do falso amante -pois
entender não é desculpar- é
dado pelos acordes da nossa
música social. Caímos na armadilha: temos que prender quem
quer ser preso.
JORGE FORBES é psicanalista, preside o Instituto da Psicanálise Lacaniana e é membro da Associação Mundial de Psicanálise
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