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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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Para especialistas, adolescentes já vivem em prisão

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Na prática, a redução da idade penal já vem ocorrendo, os infratores nas Febens estão sendo tratados como adultos em prisões, dizem especialistas.
"O sistema prisional já está instalado para os infratores, independentemente da idade. Na prática, pelo menos no Estado de São Paulo, já houve a redução da idade penal. Os adolescentes têm horário para tomar sol, ficam nas celas como castigo, sem falar na violência que sofrem. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) nem foi implantado ainda e já estão querendo mudá-lo."
Quem afirma é a professora da PUC Maria de Lourdes Trassi Ferreira, que estuda a relação entre violência e adolescência a partir dos anos 60. No ano passado, ela participou de um mapeamento nacional sobre adolescentes em privação de liberdade coordenado pelo Ministério da Justiça. A conclusão é que muitos saíam piores do que entravam.
"Eles deixam a Febem brutalizados, desumanizados, mais perigosos", diz a professora da PUC. Para ela, a "Febem é uma instituição arcaica que conserva resquícios da ditadura, como a tortura".
"A Febem substituiu a educação pela violência", diz Ana Bahia Bock, presidente do Conselho Regional de Psicologia. "Ainda há orientadores e educadores que acreditam na tortura como forma de tratar os infratores mais graves. A violência pode ter reduzido, mas os ninjas continuam lá."
Os ninjas não são lendas -"são funcionários encapuzados que entram nos alojamentos e espancam os menores", ela explica.
Bock diz que relatos dessas ações foram levados ao Ministério Público dois anos atrás.
A Sub-Secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, ligada à Presidência da República, defende a internação como último recurso, com melhoria das unidades de internação, e prioridade absoluta às medidas em meio aberto. "A internação é um estigma que marca o adolescente pelo resto da vida", diz a psicóloga Juliana Murad, assessora técnica da sub-secretaria.
Só o Estado de São Paulo tem 6.500 internos em 70 unidades.

Futuro sem cadeia
A professora da PUC afirma que os adolescentes precisam ser responsabilizados por seus atos e alguns mantidos em meio fechado. "Mas têm de ser tratados com dignidade e humanidade. Nada justifica outra atitude."
Para Ana Bock, o desafio está em adequar a instituição. E "em lidar com jovens que vivem num meio altamente consumista e em grande desigualdade social e econômica". Na sua opinião, os pais de classe média sofrem com o tiro que seus filhos podem levar, e os pobres sofrem o terror de verem os seus filhos darem o tiro.
"Não é de estranhar que esses meninos ajam assim. A surpresa é se fossem bonzinhos. O que estamos assistindo é o que construímos. A sociedade quer transformar os meninos em bodes expiatórios, mas o fato é que só sabemos tratar a violência com mais violência, não com educação."
Anos atrás, quando outra campanha pela redução da idade penal foi levantada, o Conselho de Psicologia lançou a frase "O futuro do Brasil não merece cadeia".
Como presidente de um conselho de classe, Ana Bock diz que a grande frustração dos psicólogos é não conseguir convencer a sociedade de que "a violência gera mais violência". "Não somos ouvidos. Isso nos deixa indignados e impotentes", afirma.



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