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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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"Eles saíam com mais ódio", diz mãe

DA REPORTAGEM LOCAL

Miriam mora numa travessa da rua Arrastão, em Sapopemba, bairro da zona leste que registrou 90 homicídios só neste ano. Budista, ela cultiva na casa um pequeno altar em que faz orações pela paz. O marido dirige um elétrico da SPTrans há 25 anos.
O casal teve três filhos, Jhonnes, Miguel e Michael. Hoje, dois deles já morreram, o terceiro está internado na Febem. Todos estiveram pelo menos duas vezes na instituição. O sobrevivente, Michael, continua internado.
"Cada vez que entravam lá, saíam piores", diz a mãe. O pai, evangélico, continua "sem raiva". Diz que os filhos foram "vítimas da sujeira do mundo".
Miriam Duarte Pereira, 41, nunca se conformou. "Meus filhos podem ter errado. Mas ninguém tem o direito de matá-los."
A história de Miriam é o exemplo da falência do sistema Febem, no qual o Estado investe R$ 1.700 por mês, por interno, e só recolhe rebeliões, fugas e mais violência.
Miriam, que acompanhou os filhos nas internações e mortes, hoje faz parte da Amar, Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco.
Jhonnes, o mais velho, foi para a Febem quando roubou R$ 17,00. Ficou dependente de cocaína, roubava para comprar drogas e foi morto pela polícia quando assaltava para fazer "acertos" com outros policiais, diz Miriam.
Michael tinha 15 anos quando foi internado. Ficou oito dias e saiu dirigindo e sabendo como roubar um carro. Miguel, também dependente, chegou a trabalhar e a estudar à noite. Foi morto por um estranho quando andava "com uma moto emprestada".
Durante anos, a mãe diz ter feito de tudo para tirar os filhos das drogas. "A Febem nunca ofereceu tratamento nem cursos. Eles saíam sempre com mais ódio."
Dois meses atrás, o alojamento de Michael foi invadido por funcionários com "tacos de beisebol". "No dia seguinte, o secretário Chalita (Gabriel Chalita, da Educação) e o diretor visitaram a unidade, viram as marcas de espancamento. Nada aconteceu."
No seu relato, Miriam só deixa escapar lágrimas quando parece tomar consciência que perdeu os filhos. "É difícil olhar para trás e ver que perdi tudo." (AB)


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