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Processo tramita por 93 anos no interior de MT
Ação de inventário começou em novembro de 1914 e só terminou em setembro de 2007 no fórum de Diamantino
Na sentença, juiz nascido
56 anos após o início do
processo citou desde a
Revolução Russa até o
milésimo gol de Romário
RODRIGO VARGAS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM DIAMANTINO
Com uma sentença proferida
em setembro, a Justiça de Diamantino, no interior de Mato
Grosso, pôs fim a um processo
que tramitava havia quase 93
anos. A ação de inventário movida pelos herdeiros de um sítio
tinha sido aberta em 10 de novembro de 1914.
Em sua decisão, o juiz Mirko
Vincenzo Giannotte, 37, mencionou descobertas e transformações ocorridas pelo mundo
enquanto o processo corria.
Nascido 56 anos após o início
da tramitação, o juiz citou no
texto desde a Revolução Russa
(iniciada em 1917) e as Guerras
Mundiais (1914-18 e 1939-45)
até a Semana de Arte Moderna
de 1922 e o milésimo gol do atacante Romário, em maio.
O funcionário público Alécio
Epifânio Soares comprou o sítio de 36 hectares na zona rural
de Diamantino (220 km de
Cuiabá) no início da década de
1980, sem saber que as terras
eram objeto de um processo judicial em andamento. "Quando
fui pedir o registro, o cartório
me falou que havia um probleminha na Justiça", relembra.
Ao procurar informações no
fórum da cidade, Soares descobriu que a pendência se arrastava sem solução desde 1914.
"Na hora soube que havia comprado um abacaxi."
A sentença só viria duas décadas depois da compra, em 24
de setembro deste ano. No período, Soares, 51, manteve a
posse do sítio, mas nunca conseguiu obter financiamento para torná-lo produtivo como sonhara. "Passei mais da metade
da minha vida esperando essa
decisão", diz.
O processo de número 12 tratava de uma ação de inventário
movida pelos herdeiros de João
Alves Ferreira, um grande fazendeiro da época.
Com um sócio, Ferreira era
dono de duas sesmarias -lotes
de terra abandonados que a coroa portuguesa cedia a pessoas
que se dispusessem a cultivá-los-, Frei Manoel e Quitanda,
que somavam cerca de cem
hectares. À Justiça cabia apenas referendar o quinhão destinado à partilha. Mas isso só
ocorreu no século seguinte.
Enquanto tramitou a ação,
mais de 60 juízes passaram pela comarca, o país teve duas edições do Código Civil e seis novas Constituições foram promulgadas. As primeiras páginas
do processo, bastante deterioradas, estão escritas à mão, em
caligrafia rebuscada, enquanto
a sentença final foi impressa
com jatos de tinta.
Os únicos andamentos registrados em quase 93 anos são a
entrega de documentos e petições nas décadas de 1920 e 1930
e uma reclassificação em 1950.
Em 1977, de acordo com os autos, o processo estava finalmente pronto para um desfecho. Mas, sem qualquer justificativa, voltou inconcluso às
prateleiras do fórum.
Para o juiz Giannotte, recentemente transferido para a comarca de Rondonópolis (MT),
a falta de juízes efetivos em
Diamantino até a década de
1950 pode ser uma das explicações para a lentidão no andamento do processo número 12.
"As distâncias eram absurdas e
a rotatividade de juízes, muito
alta", afirma.
Outro motivo diz respeito à
própria natureza da ação, que
não envolvia um conflito entre
as partes. "Não havia litígio pelas terras, apenas o desejo de
regularização. O fato é que o
tempo foi passando e os interessados acabaram por se acomodar informalmente à situação", diz Giannotte.
A comarca de Diamantino
não tem mais notícias de parentes ou representantes da família que iniciou a ação. O único interessado conhecido é o
funcionário público Alécio Soares, para quem a decisão chegou tarde demais.
"No ano passado, depois de
muito penar, passei o sítio
adiante. Mas avisei ao comprador: essa terra tem um enrosco
na Justiça que, pelo jeito, não
vai acabar nunca mais."
Esse não é o único caso "histórico" no Estado. O desembargador Orlando Perri disse ter
julgado recentemente um recurso referente a uma ação de
indenização iniciada em 1912.
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