São Paulo, quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

"Não vou narrar, não vou narrar..."


Não é raro a garotada que faz vestibular confundir-se com os tipos de texto que podem ser exigidos

"JÁ NARREI!" Na semana passada, depois da derrota do Internacional de Porto Alegre para o Mazembe, alguns sites colocaram à disposição do público um áudio um tanto curioso. Na chamada para esse áudio, informava-se algo como "Locutor de emissora gaúcha se nega a narrar o segundo gol do Mazembe". Em seguida, vinha o convite ("Ouça").
Aceitei o convite, abri o áudio e constatei que tanto para o narrador quanto para os redatores dos sites "narrar" significa soltar o grito de "goooooooooooooooooooooooool".
Explico. O narrador da emissora gaúcha relatou com precisão o que ocorreu. Não vou transcrever exatamente o que ele disse, mas foi mais ou menos isto: "O goleiro lançou a bola para o atacante Fulano, que cortou para dentro, evitou dois jogadores do Colorado e chutou em diagonal, no canto direito de Renan". Disse ainda o locutor que, "em respeito à torcida do Inter, não vou narrar o gol". Pois se o que ele fez não é uma narração não sei mais (ou nunca soube) o que vem a ser isso.
Vejamos o que diz o "Houaiss" a respeito de "narrar": "Expor, contar (fato real ou imaginário) por meio de escrita ou oralmente, ou por imagens". Foi o que fez (com precisão) o narrador gaúcho, não? Aliás, não custa notar que acabo de me referir a ele como "narrador", justamente porque o que ele faz é narrar...
Não é raro a garotada que faz vestibular confundir-se com a nomenclatura relativa aos tipos de texto que podem ser exigidos na redação. Em seus primeiros anos, a Fuvest pediu aos candidatos que escrevessem uma narração, com base em temas muitas vezes dados por imagens e fragmentos de textos. A prática logo foi abandonada, e a entidade passou a exigir que os candidatos fizessem uma dissertação, ou seja, a defesa de um ponto de vista a respeito de um tema de natureza filosófica, ideológica, política, ética etc.
Durante muito tempo, a Unicamp permitiu ao candidato que optasse entre três propostas (uma narração, uma carta dissertativa e uma dissertação propriamente dita). Neste ano, o trabalho dos alunos triplicou, visto que são dados três temas, e os três devem ser desenvolvidos.
O fato é que a maioria dos vestibulares pede mesmo uma dissertação, "em prosa"... Ai, ai, ai... Por incrível que pareça, essa expressão ainda derruba muita gente. Caro vestibulando, se a instituição em que você se inscreveu usar essa expressão na prova, vá em frente e faça o que você sempre fez nas suas dissertações, ou seja, escreva um texto "corrido", sem versos, sem métrica, sem rimas... Entendeu? O recado é simples: não faça versos.
Alguém pode perguntar se não me esqueci da descrição. Embora os dicionários muitas vezes deem "descrever" e "narrar" como sinônimos, esses termos são usados diferentemente quando se fala dos gêneros textuais na escola, nos vestibulares etc. A descrição consiste na exposição dos detalhes, das características. Quando se trata das personagens, por exemplo, as características são físicas e psicológicas.
Um dos grandes equívocos que ainda se fazem é separar radicalmente um gênero do outro (a narração da descrição, por exemplo). Quem lê uma simples página de Clarice Lispector ou de Guimarães Rosa constata de imediato como é importante o casamento descrição/narração para a plena exposição do que se quer relatar. É isso.

inculta@uol.com.br


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