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PASQUALE CIPRO NETO
"Quando o Sol se for, meu amor..."
Dia desses, enquanto esperava o semáforo verde, ouvi
um grupo de jovens cantarolar
"Quando o Sol se For", sucesso da
banda Detonautas Roque Clube.
Animadíssimos, os meninos
transbordavam de um bar, ou seja, ocupavam a calçada e o leito
carroçável contíguos. Passei por
lá justamente quando entoavam
o refrão (que é o próprio título da
canção). Notei que vários deles
trocavam "for" por "pôr", ou seja,
cantavam "Quando o Sol se pôr".
Pois era aí que eu queria chegar. Deixando de lado o fato de
que na letra da canção a forma
empregada é mesmo "for", parece
cabível discutir a opção dos jovens pela forma "pôr". De início,
convém deixar claro que, na língua padrão, essa forma seria
substituída por "puser" ("Quando o Sol se puser").
Temos aí uma flexão do futuro
do subjuntivo, tempo que deriva
do pretérito perfeito do indicativo. O caminho mais curto (há outros) para que se chegue à forma
padrão da primeira pessoa do
singular do futuro do subjuntivo
de QUALQUER verbo da língua
portuguesa consiste em apanhar
a terceira pessoa do plural do pretérito perfeito ("puseram", no caso) e eliminar as duas últimas letras (que são sempre "am").
Trocando em miúdos: "puseram" - "am" = "puser"; "fizeram"
- "am" = "fizer"; "foram" - "am"
= "for"; "vieram" - "am" = "vier";
"viram" - "am" = "vir" (e assim
por diante). A esta altura, não
custa conjugar integralmente o
futuro do subjuntivo de um desses
verbos. Que tal "vir"? Vamos lá:
"quando/se eu vier, quando/se tu
vieres, quando/se ele/ela/você
vier, quando/se nós viermos,
quando/se vós vierdes, quando/se
eles/elas/vocês vierem".
Talvez seja bom pedir a você,
caro leitor, que volte ao parágrafo
anterior e observe a forma "vir",
do futuro do subjuntivo do verbo
"ver" ("quando/se eu vir, quando/se tu vires, quando/se ele/ela/
você vir..."). Não é por acaso que a
bela canção "Bem-Querer", de
Chico Buarque, começa assim:
"Quando meu bem-querer me
vir, estou certa que há de vir
atrás". O primeiro "vir" é do verbo "ver"; o segundo é o próprio infinitivo do verbo "vir".
Também não é por acaso que
nos versos de "Haiti" (escritos por
Caetano Veloso) se encontra esta
passagem: "E na TV se você vir
um deputado em pânico...".
Mas voltemos à cantoria da garotada, ou seja, à troca de "for"
por "pôr". Como vimos, se o verbo
fosse "pôr", a forma adequada ao
padrão culto da língua seria "puser". O emprego de "pôr" se explica pela "regularização" da flexão,
ou seja, pela conjugação do verbo
como se ele fosse regular.
Tradução: como o futuro do
subjuntivo de boa parte dos verbos começa com uma forma igual
à do infinitivo (cantar: quando/se
eu cantar; beber: quando/se eu
beber; agir: quando/se eu agir),
muitos falantes acabam seguindo
esse modelo quando conjugam
verbos irregulares, como "pôr" (e
derivados), "ter" (e derivados),
"ver" (e derivados), "vir" (e derivados), "trazer", "fazer" etc.
O resultado dessa "regularização" é o emprego (muito comum)
de formas como "Se você manter
a calma", "Se ele não repor a mercadoria" ou "Se o presidente não
intervir". Na língua padrão, teríamos, respectivamente, "Se você
mantiver a calma", "Se ele não
repuser a mercadoria" e "Se o
presidente não intervier". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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