|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Greve deixa crimes sem investigação em Alagoas
Apurações concluídas durante greve caíram 60% em relação a período anterior
Apenas registro de crimes mais graves, como os homicídios, não foi afetado; em período de greve, nº de assassinatos subiu 16%
LUIS KAWAGUTI
ENVIADO ESPECIAL A MACEIÓ
José Alves de Melo, 51, dono
de um restaurante em Maceió,
soube por telefone que seu filho mais velho, Alverly Diego
Praxedes de Melo, 21, havia sido morto quando tentava livrar
o irmão mais novo de uma briga
de vizinhos. Ao procurar a delegacia levando os nomes dos
suspeitos do crime, foi informado de que ele mesmo deveria buscar testemunhas -se
quisesse ver os criminosos presos. Os policiais não poderiam
fazer a investigação pois participavam de uma greve, que já
dura seis meses e 24 dias.
O comerciante não só achou
as testemunhas como iniciou
uma campanha pessoal para
punir os assassinos. Contudo,
quase três meses após o crime,
os matadores ainda estão soltos
e o inquérito nem foi concluído.
O caso de José Alves é apenas
um entre centenas de crimes
que permanecem sem apuração no Estado devido à greve.
Segundo o departamento de
estatísticas da Polícia Civil, o
número de investigações concluídas durante os primeiros
cinco meses de greve, iniciada
em agosto, é aproximadamente
60% inferior ao índice acumulado entre o mesmo mês de
2006 e fevereiro de 2007. Foram 468 inquéritos enviados à
Justiça, contra 1.174.
O número de investigações
iniciadas na greve também
caiu: 57%. Segundo a polícia,
por causa da greve não é possível levantar o número exato de
casos sem investigação.
A paralisação também afastou as vítimas das delegacias e
colaborou para o aumento dos
homicídios, criando um clima
de impunidade, segundo Antônio Carlos Azevedo Lessa, presidente da Associação dos Delegados de Polícia de Alagoas.
De agosto de 2007 até a última quinta-feira, a polícia alagoana registrou 7.495 crimes.
Esse número é 67% menor que
o computado no mesmo período anterior, sem greve.
"Pessoas pararam de procurar as delegacias por causa da
greve e, se procuraram, não foram atendidas, por isso caiu o
número de ocorrências", disse.
Apenas o registro de crimes
mais graves, como os homicídios, não foi afetado. No período da greve, o número de assassinatos subiu 16%. Só neste
ano, por exemplo, houve 271
casos. A polícia não sabe dizer
quantas dessas mortes foram
realmente investigadas.
Salários
O principal motivo da greve
foi a exigência dos agentes de
polícia de equiparação salarial
com os peritos da Polícia Científica, o que significava um reajuste de 129%. Com ele, o salário-base dos agentes passaria
de R$ 1.330 para R$ 3.047. "O
governo alega que não tem dinheiro, mas deu aumento aos
procuradores de Estado, aos
professores, aos médicos. Deu
aumento de 79% a todos os praças da Polícia Militar", disse José Carlos Fernandes, presidente Sindpol (Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas).
Segundo ele, as investigações
praticamente não aconteciam
já antes do início da greve, por
causa da superlotação das carceragens dos distritos policiais.
"As nossas condições de trabalho são as mínimas possíveis,
não temos delegacias adequadas, são todas sucateadas, não
temos bons armamentos. Os
policiais, ao longo dos últimos
seis anos, só tomam conta dos
presos e dos prédios. A investigação policial não é feita, independentemente de greve ou
não", afirmou Fernandes.
A Folha visitou 5 dos 11 distritos policiais de Maceió na última semana e constatou superlotação em quatro deles. Os
presos -muitos deles detidos
há mais de três meses- são
submetidos a condições insalubres, sem direito a banho de sol
e tendo que se revezar para
dormir, pois não há espaço para que deitem ao mesmo tempo. A carceragem mais lotada
era a do 2º DP, cujas duas celas,
para quatro pessoas, abrigavam
pelo menos 19 cada uma.
As instalações das delegacias
também eram precárias, e a
guarda dos detentos era realizada por apenas dois agentes
de polícia, em alguns casos.
Nos plantões policiais, eram
registrados apenas flagrantes,
quando PMs levavam suspeitos
presos à delegacia. Vítimas que
denunciavam roubos, furtos ou
outros crimes eram orientadas
a procurar a Polícia Militar.
Os delegados tentavam convencer agentes a ajudar na investigação de crimes mais graves e às vezes conseguiam reunir equipes para sair às ruas e
fazer uma investigação ou prisão. Alguns deles usavam computadores pessoais para fazer o
registro de ocorrências.
No início deste mês, os agentes concordaram em aceitar
um reajuste de 36%. Porém, a
greve continua até que o governo e os policiais cheguem a um
acordo sobre o prazo de pagamento do reajuste.
O governo oferece 18 meses,
mas os grevistas querem que
ele seja aplicado em seis.
Texto Anterior: Cinzas vão parar em anel ou até no espaço Próximo Texto: Frase Índice
|