São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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Greve deixa crimes sem investigação em Alagoas

Apurações concluídas durante greve caíram 60% em relação a período anterior

Apenas registro de crimes mais graves, como os homicídios, não foi afetado; em período de greve, nº de assassinatos subiu 16%

LUIS KAWAGUTI
ENVIADO ESPECIAL A MACEIÓ

José Alves de Melo, 51, dono de um restaurante em Maceió, soube por telefone que seu filho mais velho, Alverly Diego Praxedes de Melo, 21, havia sido morto quando tentava livrar o irmão mais novo de uma briga de vizinhos. Ao procurar a delegacia levando os nomes dos suspeitos do crime, foi informado de que ele mesmo deveria buscar testemunhas -se quisesse ver os criminosos presos. Os policiais não poderiam fazer a investigação pois participavam de uma greve, que já dura seis meses e 24 dias.
O comerciante não só achou as testemunhas como iniciou uma campanha pessoal para punir os assassinos. Contudo, quase três meses após o crime, os matadores ainda estão soltos e o inquérito nem foi concluído.
O caso de José Alves é apenas um entre centenas de crimes que permanecem sem apuração no Estado devido à greve.
Segundo o departamento de estatísticas da Polícia Civil, o número de investigações concluídas durante os primeiros cinco meses de greve, iniciada em agosto, é aproximadamente 60% inferior ao índice acumulado entre o mesmo mês de 2006 e fevereiro de 2007. Foram 468 inquéritos enviados à Justiça, contra 1.174.
O número de investigações iniciadas na greve também caiu: 57%. Segundo a polícia, por causa da greve não é possível levantar o número exato de casos sem investigação.
A paralisação também afastou as vítimas das delegacias e colaborou para o aumento dos homicídios, criando um clima de impunidade, segundo Antônio Carlos Azevedo Lessa, presidente da Associação dos Delegados de Polícia de Alagoas.
De agosto de 2007 até a última quinta-feira, a polícia alagoana registrou 7.495 crimes. Esse número é 67% menor que o computado no mesmo período anterior, sem greve.
"Pessoas pararam de procurar as delegacias por causa da greve e, se procuraram, não foram atendidas, por isso caiu o número de ocorrências", disse.
Apenas o registro de crimes mais graves, como os homicídios, não foi afetado. No período da greve, o número de assassinatos subiu 16%. Só neste ano, por exemplo, houve 271 casos. A polícia não sabe dizer quantas dessas mortes foram realmente investigadas.

Salários
O principal motivo da greve foi a exigência dos agentes de polícia de equiparação salarial com os peritos da Polícia Científica, o que significava um reajuste de 129%. Com ele, o salário-base dos agentes passaria de R$ 1.330 para R$ 3.047. "O governo alega que não tem dinheiro, mas deu aumento aos procuradores de Estado, aos professores, aos médicos. Deu aumento de 79% a todos os praças da Polícia Militar", disse José Carlos Fernandes, presidente Sindpol (Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas).
Segundo ele, as investigações praticamente não aconteciam já antes do início da greve, por causa da superlotação das carceragens dos distritos policiais.
"As nossas condições de trabalho são as mínimas possíveis, não temos delegacias adequadas, são todas sucateadas, não temos bons armamentos. Os policiais, ao longo dos últimos seis anos, só tomam conta dos presos e dos prédios. A investigação policial não é feita, independentemente de greve ou não", afirmou Fernandes.
A Folha visitou 5 dos 11 distritos policiais de Maceió na última semana e constatou superlotação em quatro deles. Os presos -muitos deles detidos há mais de três meses- são submetidos a condições insalubres, sem direito a banho de sol e tendo que se revezar para dormir, pois não há espaço para que deitem ao mesmo tempo. A carceragem mais lotada era a do 2º DP, cujas duas celas, para quatro pessoas, abrigavam pelo menos 19 cada uma.
As instalações das delegacias também eram precárias, e a guarda dos detentos era realizada por apenas dois agentes de polícia, em alguns casos.
Nos plantões policiais, eram registrados apenas flagrantes, quando PMs levavam suspeitos presos à delegacia. Vítimas que denunciavam roubos, furtos ou outros crimes eram orientadas a procurar a Polícia Militar.
Os delegados tentavam convencer agentes a ajudar na investigação de crimes mais graves e às vezes conseguiam reunir equipes para sair às ruas e fazer uma investigação ou prisão. Alguns deles usavam computadores pessoais para fazer o registro de ocorrências.
No início deste mês, os agentes concordaram em aceitar um reajuste de 36%. Porém, a greve continua até que o governo e os policiais cheguem a um acordo sobre o prazo de pagamento do reajuste.
O governo oferece 18 meses, mas os grevistas querem que ele seja aplicado em seis.


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