São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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EXÉRCITO

Comandante invoca a segurança nacional para tentar impedir inquérito civil sobre supostos abusos do Exército no Rio

General pede que Justiça proíba apuração

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

O comandante militar do Leste, general Domingos Curado, pediu ao Superior Tribunal de Justiça Militar que proíba o MPF (Ministério Público Federal) de investigar a suposta prática de violações aos direitos humanos por militares que ocuparam o morro da Providência (centro).
O general alegou no pedido encaminhado à Justiça Militar que a questão é de segurança nacional, pois teve origem no roubo de dez fuzis e uma pistola do quartel do ECT (Estabelecimento Central de Transporte) do Exército, na zona norte do Rio, no último dia 3.
Responsáveis pela investigação, os procuradores Fábio Aragão e Vinícius Panetto disseram ontem que a intenção do Exército é amordaçar o MPF.
"Não podemos ser amordaçados. Dez fuzis? Não vejo isso como questão de segurança nacional. Na ditadura militar [1964-85] também falava-se muito de segurança nacional", criticou Aragão.
Intimado pelos procuradores a depor ontem no inquérito civil público aberto para investigar a atuação militar no morro da Providência, o general Curado obteve do Superior Tribunal de Justiça Militar uma liminar desobrigando-o de comparecer. A base da sua argumentação não foi divulgada, assim como da decisão.
A liminar foi concedida pelo almirante Rayder Alencar da Silveira, ministro do tribunal. O ministro ainda não se manifestou sobre o segundo pedido que consta do habeas corpus impetrado por Curado: a proibição das investigações do MPF.
"Se essa segunda liminar for concedida, será aberto um precedente perigoso. Isso é juridicamente questionável. O Ministério Público Federal não está sujeito à Justiça Militar, mas à Justiça Federal", afirmou Panetto.
Os procuradores anunciaram que não recorrerão contra a liminar que impediu o depoimento do comandante militar do Leste.
"O general não quis dar sua versão dos fatos. Se ele não aparecer, prevalecerá a versão dos moradores [da Providência]. Ele não vai poder alegar mais tarde que não teve a oportunidade de se explicar", disse o procurador Aragão.
Na semana passada, os procuradores abriram uma representação criminal contra o general Curado, sob a alegação de que ele não remeteu ao MPF a cópia do Inquérito Policial Militar (IPM) requisitada no último dia 10.
A alegação do comandante de que os documentos do inquérito são sigilosos foi rebatida pelos procuradores, que invocam a Constituição Federal e a Lei do Ministério Público.
"Não existe sigilo para o Ministério Público", disse Panetto.
A representação criminal está a cargo do procurador Orlando Monteiro. Caberá a ele decidir se oferecerá à Justiça Federal denúncia contra o comandante militar do Leste sob a acusação de, ao negar a documentação, ter cometido um crime.
Os procuradores decidiram estender a outras favelas ocupadas pelas tropas as investigações dos supostos atos de violência.
Além de interrogar moradores da Providência, que falaram sobre invasões, agressões e ameaças, os procuradores já conversaram com o presidente da Associação de Moradores da Mangueira, favela que também foi ocupada.
"Queremos ouvir pessoas de todas as comunidades. O Ministério Público é uma casa aberta", disse.
O Comando Militar do Leste não quis comentar o assunto ontem. Porta-voz do CML, o coronel Fernando Lemos afirmou apenas que recorrer à Justiça Militar "é uma prerrogativa" do general.


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