São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2007

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ARTIGO

O cheque em branco e a batalha da autonomia

ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais uma vez a autonomia das universidades paulistas traz à baila a discussão conceitual sobre o tema: autonomia e universidade. Por que a autonomia está tão intimamente associada a esta organização chamada universidade?
Sem dúvida, a autonomia intelectual que significa a liberdade e o respeito pelo pensamento criativo e pela contestação fundamentada -à qual se soma a autonomia na forma de ensinar e de avaliar a produção científica e a aquisição de conhecimentos por parte dos estudantes- são essenciais ao espírito mesmo da universidade.
Todos os que pensam a universidade com uma visão democrática são unânimes em afirmar estes princípios.
O conceito de autonomia é menos claro, em princípio, quando se trata das áreas administrativa e financeira. Se ela é tradicional -e não precisa sequer de regulamentação, nos países anglo-saxões-, só recentemente a comunidade européia adotou-a como norma.
O racional da passagem de uma autarquia para uma instituição autônoma do ponto de vista da gestão administrativa e financeira é que a universidade, por sua visão pioneira, pela necessidade de conviver com o que se poderia chamar de "ócio criativo", não se adapta bem às burocracias estatais.
As prioridades e urgências da universidade, com suas especificidades de alto desempenho, dificilmente seriam as mesmas se vistas por órgãos externos a ela mesma. Por outro lado, se a liberdade acadêmica, financeira e administrativa são ingredientes necessários para uma boa receita de universidade, elas não são benesses do Estado, mas precisam ser conquistadas pela instituição.
Só merece ser universidade quem for capaz de se gerir com competência, quem for capaz de produzir resultados de pesquisa que contribuam para o crescimento do conhecimento e também do PIB nacional, quem for capaz, enfim, de demonstrar a sua razão de ser.
Uma instituição, como afirma Clark Kerr, que é aristocrática no êxito e democrática nas oportunidades.
São Paulo foi o primeiro exemplo brasileiro de outorga da autonomia ampla às suas universidades estaduais. Um bom exemplo, mas incompleto.
Para o Estado, a concessão da autonomia como em São Paulo, em que parte da arrecadação estadual é automaticamente repassada às universidades, cumpre uma das funções que é a de facilitar a gestão e permitir que a cultura da universidade se transmita à sua gestão.
No entanto, há uma outra parte que não foi atendida.
A universidade precisa demonstrar explicitamente ao Estado que está cumprindo o que dela se espera, que está fiel à sua missão de qualidade, que não é presa de ideologias sectárias nem de empreguismos inconseqüentes.
É inegável que as universidades estaduais de São Paulo ganharam em produtividade com a autonomia e integram o melhor sistema universitário da América Latina, mas a política do cheque em branco (sobre a qual já me manifestei inúmeras vezes) em vigor pressupõe uma correção organizacional difícil de assegurar no longo prazo e cujo poder de fiscalização não pode ser retirado de um Estado cujas autoridades foram eleitas democraticamente.
Por isso, pela interdependência entre os objetivos é preciso que haja um entendimento bilateral que preceda a autonomia -que não foi feito em São Paulo quando da sua implantação em 1989- em que haja compromissos de parte a parte (universidades e Estado) com revisão periódica de metas acordadas por ambos.
O Estado tem o direito de saber, criticar e sugerir o que devam ser suas universidades, sem interferir no seu dia-a-dia.
As universidades devem saber com o que contam por parte do Estado (e com o que deixarão de contar se não cumprirem as metas), mas, a partir daí, devem ter liberdade de execução.
Não é retrocedendo para acompanhamentos a priori das despesas que o Estado tornará suas universidades mais eficientes, mas exigindo bons resultados a posteriori.
Esperamos que o Estado de São Paulo, comandado por políticos com ampla experiência universitária, seja capaz de ajustar seu foco neste debate que, em si, não é nocivo, desde que o alvo visado seja o crescimento nacional, e não a burocracia estatal.


ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO é ex-reitor da USP e da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), presidente do Instituto Lobo e sócio-diretor da Lobo & Associados Consultoria


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