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ARTIGO
O cheque em branco e a batalha da autonomia
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mais uma vez a autonomia
das universidades paulistas
traz à baila a discussão conceitual sobre o tema: autonomia e
universidade. Por que a autonomia está tão intimamente
associada a esta organização
chamada universidade?
Sem dúvida, a autonomia intelectual que significa a liberdade e o respeito pelo pensamento criativo e pela contestação fundamentada -à qual se
soma a autonomia na forma de
ensinar e de avaliar a produção
científica e a aquisição de conhecimentos por parte dos estudantes- são essenciais ao espírito mesmo da universidade.
Todos os que pensam a universidade com uma visão democrática são unânimes em
afirmar estes princípios.
O conceito de autonomia é
menos claro, em princípio,
quando se trata das áreas administrativa e financeira. Se ela é
tradicional -e não precisa sequer de regulamentação, nos
países anglo-saxões-, só recentemente a comunidade européia adotou-a como norma.
O racional da passagem de
uma autarquia para uma instituição autônoma do ponto de
vista da gestão administrativa e
financeira é que a universidade,
por sua visão pioneira, pela necessidade de conviver com o
que se poderia chamar de "ócio
criativo", não se adapta bem às
burocracias estatais.
As prioridades e urgências da
universidade, com suas especificidades de alto desempenho,
dificilmente seriam as mesmas
se vistas por órgãos externos a
ela mesma. Por outro lado, se a
liberdade acadêmica, financeira e administrativa são ingredientes necessários para uma
boa receita de universidade,
elas não são benesses do Estado, mas precisam ser conquistadas pela instituição.
Só merece ser universidade
quem for capaz de se gerir com
competência, quem for capaz
de produzir resultados de pesquisa que contribuam para o
crescimento do conhecimento
e também do PIB nacional,
quem for capaz, enfim, de demonstrar a sua razão de ser.
Uma instituição, como afirma
Clark Kerr, que é aristocrática
no êxito e democrática nas
oportunidades.
São Paulo foi o primeiro
exemplo brasileiro de outorga
da autonomia ampla às suas
universidades estaduais. Um
bom exemplo, mas incompleto.
Para o Estado, a concessão da
autonomia como em São Paulo,
em que parte da arrecadação
estadual é automaticamente
repassada às universidades,
cumpre uma das funções que é
a de facilitar a gestão e permitir
que a cultura da universidade
se transmita à sua gestão.
No entanto, há uma outra
parte que não foi atendida.
A universidade precisa demonstrar explicitamente ao
Estado que está cumprindo o
que dela se espera, que está fiel
à sua missão de qualidade, que
não é presa de ideologias sectárias nem de empreguismos inconseqüentes.
É inegável que as universidades estaduais de São Paulo ganharam em produtividade com
a autonomia e integram o melhor sistema universitário da
América Latina, mas a política
do cheque em branco (sobre a
qual já me manifestei inúmeras
vezes) em vigor pressupõe uma
correção organizacional difícil
de assegurar no longo prazo e
cujo poder de fiscalização não
pode ser retirado de um Estado
cujas autoridades foram eleitas
democraticamente.
Por isso, pela interdependência entre os objetivos é preciso que haja um entendimento
bilateral que preceda a autonomia -que não foi feito em São
Paulo quando da sua implantação em 1989- em que haja
compromissos de parte a parte
(universidades e Estado) com
revisão periódica de metas
acordadas por ambos.
O Estado tem o direito de saber, criticar e sugerir o que devam ser suas universidades,
sem interferir no seu dia-a-dia.
As universidades devem saber
com o que contam por parte do
Estado (e com o que deixarão
de contar se não cumprirem as
metas), mas, a partir daí, devem
ter liberdade de execução.
Não é retrocedendo para
acompanhamentos a priori das
despesas que o Estado tornará
suas universidades mais eficientes, mas exigindo bons resultados a posteriori.
Esperamos que o Estado de
São Paulo, comandado por políticos com ampla experiência
universitária, seja capaz de
ajustar seu foco neste debate
que, em si, não é nocivo, desde
que o alvo visado seja o crescimento nacional, e não a burocracia estatal.
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO é ex-reitor da USP e da UMC (Universidade de Mogi das
Cruzes), presidente do Instituto Lobo e sócio-diretor da Lobo & Associados Consultoria
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