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LETRAS JURÍDICAS
Advogado criminalista tem suas angústias
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A advocacia gera, muitas vezes, angústia nos
seus praticantes ao atender o
cliente sobre o qual está incerto
quanto a seu comportamento ético. Tais dúvidas podem existir
para todos os profissionais, mas
são especialmente preocupantes
para certos tipos de delito. Por isso conceituados criminalistas não
acompanham casos de tráfico de
drogas. Outros abominam os crimes sexuais, sobretudo contra vítimas menores. Os mais conceituados profissionais do júri, em
que são julgados crimes dolosos
contra a vida, realizados ou tentados, gostam das batalhas forenses, mesmo em face do réu confesso, entre outras razões porque a
empolgação do teatro perante o
corpo de jurados é irresistível.
Raimundo Pascoal Barbosa, recentemente falecido, foi um dos
nossos criminalistas mais conceituados no século 20, com 50 anos
de atuação marcada pela dignidade e pelo rigor, honrando sua
profissão como advogado e como
dirigente da OAB e da Associação
dos Advogados de São Paulo. Era
advogado exemplar, na seriedade
de sua conduta, mas, como é evidente, muitos de seus clientes não
estarão sentados à direita de
Deus Pai no dia do juízo final.
Nem era obrigação dele preocupar-se com a salvação das almas.
O advogado não julga o cliente.
Avalia sua conduta e sabe da
obrigação fundamental, constitucional, de o defender. A figura paradigmática de Raimundo Pascoal Barbosa, que conheci nos últimos 40 anos, serve bem ao
argumento.
A natural constitucionalidade
da defesa, em favor de qualquer
acusado, é sagrada. Decorre de
outro direito inafastável, o da
presunção da inocência, que muitos tendem a recusar quando o
acusado não é do seu grupo. Segmentos da sociedade quereriam
que esse direito fosse negado a
certos acusados, sobretudo aqueles que a mídia transforma em
monstros sociais. Não é possível
atendê-los. A consciência dos advogados, mesmo nos momentos
de dúvida sobre certas ações de
seus clientes, tem presente -e
sempre deve ser assim- que o
criminoso tem, pelo menos, o direito de não ser punido com pena
mais grave do que a lei prevê para
seu delito.
O episódio dramático e tristíssimo da menina Tainá tem dose
emocional que perturba a avaliação. As circunstâncias ainda nebulosas do caso (impossíveis de
serem inteiramente aclaradas fora dos autos ante a imposição do
segredo de justiça) sugerem que a
tapeçaria de vários destinos bordou para eles o cruzamento de
fios que talvez nunca se encontrassem em outras circunstâncias.
Mas encontraram-se. O acusado
do crime, mesmo sem a força impactante da tragédia, teria dias
difíceis pela frente. Será absolvido? Será condenado? Não se sabe.
Mas terá sempre direito de defesa,
integralmente assegurado, como
meio único de fazer a justiça da
qual o Estado detém o
monopólio.
O direito de defesa, já ficou dito
ao longo do tempo, não se destina
a ajudar os culpados. Existe para
assegurar que os inocentes possam ser inocentados, embora
nem sempre o sejam, e, havendo
graus de gravidade, que os culpados não sejam punidos mais do
que devem ser em face da lei e
que, havendo dúvida razoável sobre sua participação, sejam absolvidos. O direito antigo já dizia "in dubio pro reo" (na dúvida se julga a favor do réu). É assim no direito americano: só se condena quando as provas sejam "beyond
reasonable doubt" (além de uma dúvida razoável).
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