São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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ADMINISTRAÇÃO


Para o setor da construção civil, não haverá uma corrida por aprovação de projetos imobiliários de última hora

Especialistas criticam mudanças em plano

DA REPORTAGEM LOCAL

Oportunistas, precipitadas, "no mínimo estranhas", "que colocam abaixo tudo pelo que se lutou". Assim foram qualificadas, por urbanistas ouvidos pela Folha e pela Associação de Moradores da Vila Nova Conceição, as mudanças feitas pelos vereadores de São Paulo no Plano Diretor aprovado ontem na Câmara.
A crítica tem um alvo principal: o artigo 165. Ele estabelece, entre outros, a mudança de zoneamento em quatro trechos de vias da cidade, que passam de exclusivamente residenciais para zonas de uso misto (podem ter comércio).
"As alterações [de zona] entraram de contrabando no plano, no substitutivo, na madrugada de ontem. Parece muito estranho e absurdo fazer mudanças de zoneamento agora no plano, sendo que todo o zoneamento vai ser conjuntamente revisto até abril de 2003", disse a urbanista Raquel Rolnik, do Instituto Polis e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC de Campinas.
"A questão toda é que a gente tem que reconhecer um caráter oportunista das decisões que foram tomadas à última hora do Plano Diretor", afirmou Luiz Carlos Costa, professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
"É de interesse de toda a população a expansão da atividade construtiva, mas há limites", completou Costa. As mudanças inseridas ontem duplicam o coeficiente construtivo permitido nas áreas por elas atingidas.
"O artigo existe só para atender aos interesses de alguns vereadores. Por que mudar o zoneamento agora, uma vez que será discutida uma lei específica para isso no futuro? Por que mudar o zoneamento em trechos tão pequenos da cidade? Só lá existem problemas? Ou só lá existe a Daslu?", questionou a urbanista Regina Monteiro, presidente do Movimento Defenda São Paulo.
Um dos trechos que deixam de ser apenas residenciais é onde funciona hoje, por força de uma liminar na Justiça, a loja Daslu Homem, versão masculina da badalada butique Daslu, na Vila Nova Conceição, bairro nobre da zona sul da capital paulista.
Para Alex Canuto, conselheiro da associação de moradores do bairro, a "anistia premia quem desrespeita a lei e deteriora a cidade, em detrimento dos que pagam impostos". Ele diz que a entidade vai fazer o possível para que o artigo seja vetado. O mesmo pretende fazer o Defenda São Paulo. " Se necessário, vamos recorrer à Justiça", afirmou Regina.
O diretor-administrativo da Daslu, Antonio Carlos Fiore, disse que a "aparentemente boa notícia" foi uma surpresa. "Não estávamos acompanhando as discussões do Plano Diretor nem conversamos com nenhum vereador sobre a nossa situação."
A expectativa é que as mudanças aprovadas ontem possam ser revistas no processo de elaboração da nova Lei de Zoneamento e dos planos regionais. "Espero que a gente possa corrigir esses problemas", afirmou Raquel Rolnik.

O melhor possível
Evitando discutir os aspectos particulares e as mudanças do artigo 165, os sindicatos da construção civil de São Paulo são unânimes em afirmar que o Plano Diretor pode não ser o ideal, mas é a "melhor resultante possível". "Ele vai regular o setor, que estava, até agora, parado, na expectativa do que seria aprovado", nas palavras de Cláudio Bernardes, conselheiro do Secovi-SP (sindicato das construtoras e imobiliárias).
Na avaliação de Bernardes, não deve haver uma corrida por aprovação de projetos imobiliários até o fim do ano, enquanto o novo plano ainda não entra em vigor.
"Isso já ocorreu quando o projeto foi para a Câmara. A partir de agora os empreendedores devem voltar ao ritmo normal de aquisição de terrenos, o que não estava acontecendo antes", defende.
Para o presidente do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil), Artur Quaresma Filho, o Plano Diretor deverá, ao longo dos anos, "transformar a cidade, que é um caos, num ambiente melhor para viver". "Ele pode ter erros e acertos, mas é importante lembrar que terá uma revisão em 2003 [para inclusão dos planos regionais]", afirmou.
Quaresma diz que as mudanças nas zonas devem ser negociadas e ter um tempo de transição para ser implementadas. (MARIANA VIVEIROS E TEREZA NOVAES)

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