São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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STF vai discutir o aborto de anencéfalos

Em sua terceira audiência pública da história, o Supremo debaterá pontos de vista religiosos e científicos acerca do tema

Com base na discussão, o STF irá julgar, entre outubro e novembro deste ano, se o aborto de bebês sem cérebro será legalizado no país

FELIPE SELIGMAN
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Tão ou mais polêmico que o julgamento sobre pesquisas com células-tronco embrionárias, o STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta semana um novo debate, sobre a possibilidade da interrupção da gestação em casos de anencefalia, que novamente será definido pela visão de cada ministro que pertence à corte.
Na próxima terça-feira, o Supremo realiza a terceira audiência pública de sua história, com três dias de duração, na qual serão apresentados os pontos de vista religiosos (dia 26), científicos (dia 28) e os da chamada sociedade civil (dia 1º) sobre o tema.
O julgamento, por sua vez, deverá acontecer entre outubro e novembro deste ano, segundo o relator da ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), ministro Marco Aurélio Mello. De acordo com ministros ouvidos pela Folha, seu teor será "muito parecido" com a discussão sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco.
O que está em questão, dizem os ministros, é o mesmo princípio constitucional, o da dignidade da pessoa humana. Assim como naquele primeiro julgamento, a discussão gira em torno de um dilema central, que se resume ao seguinte questionamento: Existe vida humana ou ao menos o seu potencial num feto cujo cérebro não se desenvolveu?
O julgamento e a audiência serão marcados pelo caso de Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada ainda no útero da mãe, em 2006, como anencéfala. A previsão médica era a de que Marcela morreria antes do parto ou com poucos dias de vida. Ela, no entanto, sobreviveu quase dois anos.
Existe no STF, segundo a Folha apurou, duas fortes tendências. De um lado, favoráveis à possibilidade do aborto, ficariam os ministros Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Do outro, contra a interrupção, estariam Carlos Alberto Direito, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso.
O julgamento, portanto, seria decidido pelos votos de Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia.
Os quatro primeiros são contrários à influência religiosa no debate jurídico e defendem os argumentos apresentados pela CNTS, que não considera "aborto" a interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo, já que não existiria o potencial da vida humana. De acordo com o advogado da confederação, Luís Roberto Barroso, a anencefalia é "um fato atípico".
"No nosso ordenamento jurídico não há definição sobre o início da vida, mas já sobre o momento da morte, que é quando o cérebro para de funcionar", disse à Folha. "Então, se não há cérebro, não há vida. Se não há vida, não é aborto".
Outro argumento que deverá ser apresentado é o fato de que, na época de elaboração do Código Penal brasileiro, não havia tecnologia para detecção de casos de anencefalia. Esse seria o motivo pelo qual o aborto é permitido apenas em casos de estupro e perigo de morte da mãe. Por último, os ministros também devem alegar que o princípio da dignidade humana deve ser aplicado só à mãe.
Quando julgavam a viabilidade legal das pesquisas com células-tronco, o relator do tema, ministro Ayres Britto, chegou a extrapolar o tema em debate, abrindo caminho para a defesa de teses sobre a legalização do aborto. "A vida humana é revestida do atributo da personalidade civil, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral", disse na ocasião.
Já em relação ao grupo contrário ao aborto em caso de anencefalia, não existe um consenso de teses que o levaria para o mesmo lado. Prevalece, por exemplo, no caso de Direito, a posição religiosa de que a vida humana começa desde sua concepção, tornando o aborto contrário ao direito à vida.
No âmbito jurídico, porém, prevaleceria a tese de que o Supremo não pode criar uma nova legislação, não prevista no Código Penal brasileiro. A idéia não seria entrar no mérito da questão, mas afirmar que cabe ao Congresso, não ao STF, estabelecer a legalidade do aborto em caso de anencefalia.
"Existem duas hipóteses de aborto na lei. Não posso criar uma terceira", disse Eros Grau.


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